segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Ana C.

É Ana Cristina César. Mas pode ser também Caio Fernando Abreu.










sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O Amanuense

O Amanuense
(singela homenagem a Cyro dos Anjos)



Teto, rosto, água, café, paletó, porta, roseira, orvalho, chão, gato, sol, portão, calçada, aceno, taxímetro, volante, trânsito, buzina, velha, sinal, corrida, Aqui ta bom!, dinheiro, calçada, passo, loja, loja, café, loja, escola, crianças, elevador, sala, jornal, telefone, aviso, cadeira, máquina, papel, cigarro, café, relógio, conversa, teto, pernas, atenção, desatenção, café, telefone, convite, elevador, ansiedade, calçada, porta de vidro, beijo, “Oi, que bom que veio”, feijão, salada, café, conversa, olho, cintura, mão na cintura, abraço, “Tchau”, calçada, elevador, sono, café, cigarro, cadeira, lápis, concentração não, inspiração, livro, Drummond, “E agora?”, resignação, gastrite, café, relógio, conversa, cafezinho, cigarro, água, bolacha, mesa, cadeira, pés, elevador, “Tchau, seu Adonias”, calçada, rua, caminhada, pasta, dores, cigarro, mesas, balcão, chopp, cigarro, “Flamengo ta mal!”, joelho de porco, lua, conhaque, “Bom era o Zico”, dinheiro, “Até mais ver...”, hálito, calçada, ônibus, luzes, tristeza, mãos, joelhos, sono, escada, calçada, portão, lua, gato, chão, sereno, roseira, porta, tapete, cabide, cigarro, cueca, cama. Sono... sono... zszssszzszzzz



terça-feira, 6 de outubro de 2015

Imperfeição





Imperfeição

Perfeição não há. Dito isso, entendido isto, a vida torna-se mais leve. Saber dos defeitos inatos e aceitá-los é o primeiro passo rumo à convivência consigo mesmo. E conviver bem com seus eus é o primeiro passo para viver em comunhão (viver com), socialmente.

A noção de que devemos ‘buscar a perfeição’, seja no trabalho ou na academia, tem gerado pessoas com a frustração em entropia. A perfeição não é para o homem! Não é natural a ele nem muito menos ela é atingível. Buscar, portanto, algo que tem estas premissas é seguir fatalmente rumo à frustração plena.

Aceitar a condição de imperfeito, reconhecer defeitos, é uma dádiva! O homem, ao ver-se cumulado de defeitos, é mais humano. Perceber a sua beleza, a sua inteligência e os seus dons é tão importante quanto reconhecer suas feiúras, suas incapacidades e suas deficiências. Não há amor sem ódio... somos todos amorosos e odiosos por natureza! Não há beleza plena, “todo mundo tem remela”, inclusive a bailarina! Não há força sem deslizes; competências sem incapacidades; certezas sem dúvidas.

Compreender que a força do antônimo é muito maior que a linha reta dos sinônimos é sentir-se abençoado. Importante é buscar o equilíbrio para perceber que até os defeitos nos são necessários. Sob uma ótica taoista, poder-se-ia dizer que “quanto mais Yin, menos Yang, quanto mais Yang, menos Yin”. Há mal e bem; alegria e tristeza; amor e ódio; beleza e feiúra; feminino e masculino; agressividade e delicadeza em nós. Somos assim formados. Somos assim construídos.

Aprender a amar seu ódio e odiar seu amor (difícil isso!) é acalentador! “É o ódio que mantém a intensidade do amor”, diria Pedro Luís. Conviver com sua feiúra e perceber, sabiamente, beleza dentro dela é muito melhor que escondê-la num canto escuro do seu guarda-roupa. Enxergar-se perdedor é tão nobre quanto sagrar-se vencedor...

Perfeição, devemos aprender, é estado de Deus. Somos humanos. Cheios de defeitos e qualidades. Fracos por natureza. Fortes por natureza. 







quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Grande Almanaque Fantasioso dos Maiores Amores Já Vividos na Terra


O Grande Livro...


Dos amores todos que a terra já presenciou, jurava, nunca houve um parecido com o dele por ela. Sabia disso pois, ao pesquisar no Grande Almanaque Fantasioso dos Maiores Amores Já Vividos na Terra, percorreu minuciosamente cada um dos trezentos e quarenta e sete zilhões de registros. De fato! O seu amor era muito acima da média.

A caminho de casa, na estradinha florida de lírios amarelos e sombreada de pés de Jenipapo e Cajá, subindo a Serra dos Ventos em Curva, sentia orgulho de sua descoberta. Foram trinta e nove anos pesquisando amores, lendo e se emocionando com os pregressos registros, sob velas às noites escuras, sobre a grama nas manhãs frescas das primaveras, tantas páginas, tanta saliva... Estava feliz! Sentia-se recompensado pelo árduo trabalho até poder, então, escrever seu nome, junto ao de sua amada, no tal livro sem fim!

Eis que, àquela hora, setecentos e três registros novos já existiam frente ao seu. Todos, somados aos zilhões do histórico, eram, per si, igualmente dignos da inscrição no Grande Almanaque Fantasioso dos Maiores Amores Já Vividos na Terra.




quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Tabacaria

Se juntarmos Tabacaria, Fausto, Encontro Marcado, Farewell... em uma sacola, devemos jogá-la fora rápido!
...pode ser muito perigoso carrega-la pela vida.





Recitado por Abujamra.
Seleção de trechos deste que escreve.

Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.


Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.


Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
A roupa que vesti era errada.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir a roupa que não tinha tirado.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.


0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(0 Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.




sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Caio. Fernando. Abreu.









Já se passaram alguns anos desde a primeira vez que o li.
Caio. Intenso. Nervoso. Triste. Angustiado. Doentio. Depressivo. Superdepressivo. Docemente esperançoso. Verborrágico. Enorme... grande!
Caio... Perseguido. Exilado. Coração partido. Mulher. Cabelos vermelhos. Brincos. Óculos. Vidros quebrados.

...

Historinha com final triste...

Um dia, andando pelas ruas de Porto Alegre, um conhecido lhe perguntou...
- Caio, quo vadis?
Olhar tímido, ossos e pele e vodka responderam:
- Rua Lopes Chaves, 546.
- Mas essa rua... essa rua fica em São Paulo!? Não é mesmo?

Não respondeu. Seguiu, passos lerdos, ao encontro de Mario de Andrade.
(Morreu no mesmo dia que o pai de Macunaíma, 51 anos depois)






sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Flores



Tinha desverbalizado sua relação com o mundo.
Cansou-se de verbos e, portanto, aboliu-os do seu costume. Ele que era, agora nem estava.
Por isso ele passarinho a manhã, arco-íris o fim da tarde e riacho seus pés.
Numa dessas alegrias, Guimarães o tempo, Drummond o vento, Lispector a alma. Boniteza, seu benzinho, um encanto! Casa, filhos lindos, casa, jardim, fantasia! Felicidade...
Sua vida flores. Seus sonhos, realidades. Lutas, dores, sina. Amores.

Dever cumprido! (substantivamente).

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Errare humanum est

"Tem uns dias
Que eu acordo
Pensando e querendo saber
De onde vem
O nosso impulso
De sondar o espaço"

...e de sondar o infinito espaço que  somos nós mesmos!

Jorge Ben, no seu melhor:





quarta-feira, 15 de julho de 2015

...eu MAIOR.

Já viste?




O tempo passa passa passa passa
                         passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa
                                                       passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa
                                                                      passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa
                                                       passa passa passa passa passa passa passa passa passa
passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa
                                                                                      passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa passa... e eis que vivo está FAUSTO!


terça-feira, 7 de julho de 2015

Fonte

Poetas contemporâneos e suas fontes...








terça-feira, 23 de junho de 2015

Gullar





Caíram, e é só procurar que elas aparecem, às minhas mãos três crônicas essa semana. "Os três mal amados", "O amor acaba", e "Sobre o amor". Reli-as.

Reler é, e bato sempre nesta grave tecla, muito melhor que ler. Nunca se lê o mesmo livro duas vezes. É como um rio em que, ao entrarmos pela segunda vez... já é outro rio a passar.

Ler sobre o amor, então!, é muito mais complicado!
Reler sobre o amor é como entrar um rio noutro rio.

Segue, Gullar...




Sobre o amor
Ferreira Gullar

Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse — eu te amo —, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam. Era uma defesa intolerante contra os levianos e que refletia sem dúvida uma enorme insegurança de seu inventor. Insegurança e inexperiência. Com o passar dos anos a idéia foi abandonada, a vida revelou-me sua complexidade, suas nuanças. Aprendi que não é tão fácil dizer eu te amo sem pelo menos achar que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. Claro, tem gente que quer ouvir essa expressão mesmo sabendo que é mentira. O mentiroso, nesses casos, não merece punição alguma.

Por aí já se vê como esse negócio de amor é complicado e de contornos imprecisos. Pode-se dizer, no entanto, que o amor é um sentimento radical — falo do amor-paixão — e é isso que aumenta a complicação. Como pode uma coisa ambígua e duvidosa ganhar a fúria das tempestades? Mas essa é a natureza do amor, comparável à do vento: fluido e arrasador. É como o vento, também às vezes doce, brando, claro, bailando alegre em torno de seu oculto núcleo de fogo.

O amor é, portanto, na sua origem, liberação e aventura. Por definição, anti-burguês. O próprio da vida burguesa não é o amor, é o casamento, que é o amor institucionalizado, disciplinado, integrado na sociedade. O casamento é um contrato: duas pessoas se conhecem, se gostam, se sentem a traídas uma pela outra e decidem viver juntas. Isso poderia ser uma COisa simples, mas não é, pois há que se inserir na ordem social, definir direitos e deveres perante os homens e até perante Deus. Carimbado e abençoado, o novo casal inicia sua vida entre beijos e sorrisos. E risos e risinhos dos maledicentes. Por maior que tenha sido a paixão inicial, o impulso que os levou à pretoria ou ao altar (ou a ambos), a simples assinatura do contrato já muda tudo. Com o casamento o amor sai do marginalismo, da atmosfera romântica que o envolvia, para entrar nos trilhos da institucionalidade. Torna-se grave. Agora é construir um lar, gerar filhos, criá-los, educá-los até que, adultos, abandonem a casa para fazer sua própria vida. Ou seja: se corre tudo bem, corre tudo mal. Mas, não radicalizemos: há exceções — e dessas exceções vive a nossa irrenunciável esperança.

Conheci uma mulher que costumava dizer: não há amor que resista ao tanque de lavar (ou à máquina, mesmo), ao espanador e ao bife com fritas. Ela possivelmente exagerava, mas com razão, porque tinha uns olhos ávidos e brilhantes e um coração ansioso. Ouvia o vento rumorejar nas árvores do parque, à tarde incendiando as nuvens e imaginava quanta vida, quanta aventura estaria se desenrolando naquele momento nos bares, nos cafés, nos bairros distantes. À sua volta certamente não acontecia nada: as pessoas em suas respectivas casas estavam apenas morando, sofrendo uma vida igual à sua. Essa inquietação bovariana prepara o caminho da aventura, que nem sempre acontece. Mas dificilmente deixa de acontecer. Pode não acontecer a aventUra sonhada, o amor louco, o sonho que arrebata e funda o paraíso na terra. Acontece o vulgar adultério - o assim chamado -, que é quase sempre decepcionante, condenado, amargo e que se transforma numa espécie de vingança contra a mediocridade da vida. É como uma droga que se toma para curar a ansiedade e reajustar-se ao status quo. Estou curada, ela então se diz — e volta ao bife com fritas.

Mas às vezes não é assim. Às vezes o sonho vem, baixa das nuvens em fogo e pousa aos teus pés um candelabro cintilante. Dura uma tarde? Uma semana? Um mês? Pode durar um ano, dois até, desde que as dificuldades sejam de proporção suficiente para manter vivo o desafio e não tão duras que acovardem os amantes. Para isso, o fundamental é saber que tudo vai acabar. O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente na carne, entre soluços, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não comporta tanta realidade, como falou um poeta maior. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer.

A barra é pesada. Quem conheceu o delírio dificilmente se habitua à antiga banalidade. Foi Gogol, no Inspetor Geral quem captou a decepção desse despertar. O falso inspetor mergulhara na fascinante impostura que lhe possibilitou uma vida de sonho: homenagens, bajulações, dinheiro e até o amor da mulher e da filha do prefeito. Eis senão quando chega o criado, trazendo-lhe o chapéu e o capote ordinário, signos da sua vida real, e lhe diz que está na hora de ir-se pois o verdadeiro inspetor está para chegar. Ele se assusta: mas então está tUdo acabado? Não era verdade o sonho? E assim é: a mais delirante paixão, terminada, deixa esse sabor de impostura na boca, como se a felicidade não pudesse ser verdade. E no entanto o foi, e tanto que é impossível continuar vivendo agora, sem ela, normalmente. Ou, como diz Chico Buarque: sofrendo normalmente.

Evaporado o fantasma, reaparece em sua banal realidade o guarda­roupa, a cômoda, a camisa usada na cadeira, os chinelos. E tUdo impregnado da ausência do sonho, que é agora uma agulha escondida em cada objeto, e te fere, inesperadamente, quando abres a gaveta, o livro. E te fere não porque ali esteja o sonho ainda, mas exatamente porque já não está: esteve. Sais para o trabalho, que é preciso esquecer, afundar no dia-a-dia, na rotina do dia, tolerar o passar das horas, a conversa burra, o cafezinho, as notícias do jornal. Edifícios, ruas, avenidas, lojas, cinema, aeroportos, ônibus, carrocinhas de sorvete: o mundo é um incomensurável amontoado de inutilidades. E de repente o táxi que te leva por uma rua onde a memória do sonho paira como um perfume. Que fazer? Desviar-se dessas ruas, ocultar os objetos ou, pelo contrário, expor-se a tudo, sofrer tudo de uma vez e habituar­se? Mais dia menos dia toda a lembrança se apaga e te surpreendes gargalhando, a vida vibrando outra vez, nova, na garganta, sem culpa nem desculpa. E chegas a pensar: quantas manhãs como esta perdi burramente! O amor é uma doença como outra qualquer.

E é verdade. Uma doença ou pelo menos uma anormalidade. Como pode acontecer que, subitamente, num mundo cheio de pessoas, alguém meta na cabeça que só existe fulano ou fulana, que é impossível viver sem essa pessoa? E reparando bem, tirando o rosto que era lindo, o corpo não era lá essas coisas... Na cama era regular, mas no papo um saco, e mentia, dizia tolices, e pensar que quase morro!...

Isso dizes agora, comendo um bife com fritas diante do espetáculo vesperal dos cúmulos e nimbos. Em paz com a vida. Ou não.









quarta-feira, 15 de abril de 2015

Se os tubarões fossem homens

...haveria uma civilização no mar!

Bertod Brecht!









quinta-feira, 2 de abril de 2015

Acordei bemol!


Dormi Leminski...

                       "Acordei bemol.

                                     Tudo estava sustenido"...






Um deleite orgásmico, catarse... pra quem é, como eu, um kamiquase!


Projeto musical de Estrela - filha do homem - baseado na obra do pai e na música que paira por aí, mesmo quando se ouve o silêncio.






terça-feira, 31 de março de 2015

Peladinha

Peladinha

- Tá no campinho!!! Respondeu a mãe que, lavando roupa, vigiava o feijão na panela.
João saiu em disparada pela rua, entrou no Beco de Dona Luzia, sua mãe, e, como um sapo pulou o murinho do fundo. Menino encapetado! – alguém gritou da cozinha, de onde vinha um olor delicioso  - odor? – de dobradinha.

Na casa de “Dona Lourdes de Zé Baixinho” nem quis saber do milho perfumado que cozinhava na fogão a lenha do terreiro. Subiu o morro, ‘catou um cavaco’ e, como um gato, chegou até a “rua de cima”, no pé do Cruzeiro. Calçamento pontudo, mais um ‘cavaco’ e a cabeça do dedão ficou pra trás. “Desgraça!!! Peste!!! Capetaaaaaaaaa!!!”. Gemidos, onomatopéias... e mais um “Capeta!”.

Pausa rápida e lá estava o claudicante João a iniciar novamente a corrida. Desceu o morro e chegou na encruzilhada da casa de Leléu. Lá dentro o próprio, com habilidade que vinha de longe, segurava com os três primeiros dedos da mão um prato de mexido. De longe se via o ‘zoiudo’! - “ÔOOOh João!!! Oncevai??? João??!?!!”. Nem ouviu... Já ia longe na trilha detrás das casas do Pirulito, sentido sítio do João Lucas, a caminho do campinho.

Sentia o vento no rosto e a estradinha era a própria vida que se abria à sua frente! Pelos gritos que já podia ouvir conseguiu identificar, antes de vê-los, Tiago, Rodriguinho e Tássius. Como de fato! Lá estavam os três... “Seus viados! Nem me esperaram!”.


Sem mais delongas, fez-se a formação clássica do ludopédio da várzea dos Lucas... Dois de cada lado, oito pés imundos e quatro cabeças sonhadoras. Naquele campinho no fim do mundo, quatro amigos jogavam, sem saber, os minutos mais lindos de uma longa partida...


terça-feira, 24 de março de 2015

Aldo Bastos e José Régio

Na vontade de conhecer Aldo, acabei com ânsia de conhecer Régio!









sexta-feira, 20 de março de 2015

Saudade, eterno filme em cartaz.


Olha o que acontece quando Moska e Chico César resolvem compor juntos...

Música doída como a própria saudade...






Saudade

Saudade, a lua brilha na lagoa
Saudade, a luz que sobra da pessoa
Saudade igual farol
Engana o mar, imita o sol
Saudade, sal e dor que o vento traz
Saudade, o som do tempo que ressoa
Saudade, o céu cinzento a garôa
Saudade desigual
Nunca termina no final
Saudade, eterno filme em cartaz
A casa da saudade é o vazio
O acaso da saudade, fogo frio
Quem foge da saudade
Preso por um fio
Se afoga em outras águas
Mas do mesmo rio.


terça-feira, 17 de março de 2015

Drummonstro!


"Amar" e "O amor bate na aorta"...

Aos apaixonados por Drummond e aos apaixonados propriamente ditos!
















terça-feira, 10 de março de 2015

Pipa

Foto de Fábio Teixeira

Não queria mais a pipa. Os dedos cortados de cerol, calejados de cortar taquara, se agarraram na escadinha de metal que o levou da laje. Nunca mais voltou ao teto de sua casa e a pipa, solta no espaço, ia, serpenteando entre urubus, no céu azul de sua infância.  De volta ao chão decidiu ser o ‘homem’ que seu pai, insensível, tantas vezes lhe exigia ser. Ele que, aos nove anos, nem sabia o que era preciso para ser, então, ‘homem’.
A linha, partida, deu à pipa liberdade e ao menino os pés no chão. A partir daquele dia, dia a dia, durante o correr inexorável dos anos, o homem-menino cresceu. E suou, trabalhou, chorou, não entendeu, correu, bateu marreta, casou, amou?, multiplicou, testemunhou, juntou, colheu, gastou, envelheceu; se cansou.
E numa tarde amarela de agosto, os olhos perdidos no céu, o velho-menino se transformou em uma linda pipa azul.

Catas Altas, janeiro 2015



terça-feira, 3 de março de 2015

Neruda

Uma amiga me disse que "quando a gente começa a curtir mais vinho que cerveja, mais jazz que rock e mais Neruda que Quintana é porque algo de muito grave está acontecendo".

Sempre li muito Neruda e já vi o "Carteiro" algumas boas vezes. Mas é difícil tolerar Neruda muito tempo... É como se recebêssemos a visita daquele amigo 'crisento' e choroso, cheio de conflitos amorosos que não se resolvem, cheio de desamores e amores vãos. No primeiro dia de sua estada nos provoca compaixão, no segundo desespero e no terceiro ânsias de vê-lo em despedida. Ler um típico poema dele é bom, no segundo quase sempre não se quer chegar ao terceiro...

Talvez seja por isso que gosto do "Para nascer, nasci"! Neruda um pouco menos meloso, talvez um pouco mais metafísico, contador de histórias e "causos", mais narrador, menos sofrido.

Mas, fato é que algumas coisas de Neruda às vezes nos pegam pelo pé, de súbito e pronto! Lá estamos nós na sala de casa, o amigo chorando à frente e por dentro uma recíproca vontade de soluçar!

Segue, Pablo!






...




segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O amor

Um pouco de Gibran Kahlil...
Cada vez que releio "O Profeta" tenho sensações diferentes. Reler é, de fato, melhor que ler!




O Amor

E alguém disse:
Fala-nos do Amor:

- Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis.
E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem
vos possa ferir.

E quando vos falar, acreditai nele;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.

Porque assim como o vosso amor
vos engrandece, também deve crucificar-vos
E assim como se eleva à vossa altura
e acaricia os ramos mais frágeis
que tremem ao sol,
também penetrará até às raízes
sacudindo o seu apego à terra.

Como braçadas de trigo vos leva.
Malha-vos até ficardes nus.
Passa-vos pelo crivo
para vos livrar do joio.
Mói-vos até à brancura.
Amassa-vos até ficardes maleáveis.

Então entrega-vos ao seu fogo,
para poderdes ser
o pão sagrado no festim de Deus.

Tudo isto vos fará o amor,
para poderdes conhecer os segredos
do vosso coração,
e por este conhecimento vos tornardes
o coração da Vida.

Mas, se no vosso medo,
buscais apenas a paz do amor,
o prazer do amor,
então mais vale cobrir a nudez
e sair do campo do amor,
a caminho do mundo sem estações,
onde podereis rir,
mas nunca todos os vossos risos,
e chorar,
mas nunca todas as vossas lágrimas.

O amor só dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.

O amor não possui
nem quer ser possuído.

Porque o amor basta ao amor.

E não penseis
que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos escolher,
marcará ele o vosso curso.

O amor não tem outro desejo
senão consumar-se.

Mas se amarem e tiverem desejos,
deverão se estes:
Fundir-se e ser um regato corrente
a cantar a sua melodia à noite.

Conhecer a dor da excessiva ternura.
Ser ferido pela própria inteligência do amor,
e sangrar de bom grado e alegremente.

Acordar de manhã com o coração cheio
e agradecer outro dia de amor.

Descansar ao meio dia
e meditar no êxtase do amor.

Voltar a casa ao crepúsculo
e adormecer tendo no coração
uma prece pelo bem amado,
e na boca, um canto de louvor.


terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Justiça a outro Mal-Amado.

Justiça a João!
Em breve, Raimundo.


Os Três Mal-Amados

A fala de JOÃO:

Olho Teresa. Vejo-a sentada aqui a meu lado, a poucos centímetros de mim. A poucos centímetros, muitos quilômetros. Por que essa impressão de que precisaria de quilômetros para medir a distância, o afastamento em que a vejo neste momento?

Olho Teresa como se olhasse o retrato de uma antepassada que tivesse vivido em outro século. Ou como se olhasse um vulto em outro continente, através de um telescópio. Vejo-a como se a cobrisse a poeira tenuíssima ou o ar quase azul que envolvem as pessoas afastadas de nós muitos anos ou muitas léguas.

Posso dizer dessa moça a meu lado que é a mesma Tereza que durante todo o dia de hoje, por efeito do gás do sonho, senti pegada a mim?

Esta é a mesma Teresa que na noite passada conheci em toda intimidade? Posso dizer que a vi, falei-lhe, posso dizer que a tive em toda a intimidade? Que intimidade existe maior que a do sonho? a desse sonho que ainda trago em mim como um objeto que me pesasse no bolso?

Ainda me parece sentir o mar do sonho que inundou meu quarto. Ainda sinto a onda chegando à minha cama. Ainda me volta o espanto de despertar entre móveis e paredes que eu não compreendia pudessem estar enxutos. E sem nenhum sinal dessa água que o sol secou mas de cujo contacto ainda me sinto friorento e meio úmido (penso agora que seria mais justo, do mar do sonho, dizer que o sol o afugentou, porque os sonhos são como as aves não apenas porque crescem e vivem no ar).

Teresa aqui está, ao alcance de minha mão, de minha conversa. Por que, entretanto, me sinto sem direitos fora daquele mar? Ignorante dos gestos, das palavras?

O sonho volta, me envolve novamente. A onda torna a bater em minha cadeira, ameaça chegar até a mesa. Penso que, no meio de toda esta gente da terra, gente que parece ter criado raízes, como um lavrador ou uma colina, sou o único a escutar esse mar. Talvez Teresa...

Talvez Teresa... Sim, quem me dirá que esse oceano não nos é comum?

Posso esperar que esse oceano nos seja comum? Um sonho é uma criação minha, nascida de meu tempo adormecido, ou existe nele uma participação de fora, de todo o universo, de sua geografia, sua história, sua poesia?

O arbusto ou a pedra aparecida em qualquer sonho pode ficar indiferente à vida de que está participando? Pode ignorar o mundo que está ajudando a povoar? É possível que sintam essa participação, esses fantasmas, essa Teresa, por exemplo, agora distraída e distante? Há algum sinal que a faça compreender termos sido, juntos, peixes de um mesmo mar?

Donde me veio a ideia de que Teresa talvez participe de um universo privado, fechado em minha lembrança? Desse mundo que, através de minha fraqueza, compreendi ser o único onde me será possível cumprir os atos mais simples, como por exemplo, caminhar, beber um copo de água, escrever meu nome? Nada, nem mesmo Teresa.



A fala de Joaquim...

E alguém lembra da fala dos outros dois Mal Amados?
Por que? Alguém sabe o porquê?

Segue...





Os Três Mal-Amados
João Cabral de Melo Neto

Joaquim:
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.





segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A vida

Velho conhecido poeminha, um dos Quintanares... Ofereço aos meus amigos que entendem que "o acaso é um dos tantos nomes de Deus".

Dá-lhe Abujamra!








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sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Drummond.

Especialmente para Renato Precata, Pedro Rocha, Fabiana Girard e Renata Mol.



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