sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O Amanuense

O Amanuense
(singela homenagem a Cyro dos Anjos)



Teto, rosto, água, café, paletó, porta, roseira, orvalho, chão, gato, sol, portão, calçada, aceno, taxímetro, volante, trânsito, buzina, velha, sinal, corrida, Aqui ta bom!, dinheiro, calçada, passo, loja, loja, café, loja, escola, crianças, elevador, sala, jornal, telefone, aviso, cadeira, máquina, papel, cigarro, café, relógio, conversa, teto, pernas, atenção, desatenção, café, telefone, convite, elevador, ansiedade, calçada, porta de vidro, beijo, “Oi, que bom que veio”, feijão, salada, café, conversa, olho, cintura, mão na cintura, abraço, “Tchau”, calçada, elevador, sono, café, cigarro, cadeira, lápis, concentração não, inspiração, livro, Drummond, “E agora?”, resignação, gastrite, café, relógio, conversa, cafezinho, cigarro, água, bolacha, mesa, cadeira, pés, elevador, “Tchau, seu Adonias”, calçada, rua, caminhada, pasta, dores, cigarro, mesas, balcão, chopp, cigarro, “Flamengo ta mal!”, joelho de porco, lua, conhaque, “Bom era o Zico”, dinheiro, “Até mais ver...”, hálito, calçada, ônibus, luzes, tristeza, mãos, joelhos, sono, escada, calçada, portão, lua, gato, chão, sereno, roseira, porta, tapete, cabide, cigarro, cueca, cama. Sono... sono... zszssszzszzzz



terça-feira, 6 de outubro de 2015

Imperfeição





Imperfeição

Perfeição não há. Dito isso, entendido isto, a vida torna-se mais leve. Saber dos defeitos inatos e aceitá-los é o primeiro passo rumo à convivência consigo mesmo. E conviver bem com seus eus é o primeiro passo para viver em comunhão (viver com), socialmente.

A noção de que devemos ‘buscar a perfeição’, seja no trabalho ou na academia, tem gerado pessoas com a frustração em entropia. A perfeição não é para o homem! Não é natural a ele nem muito menos ela é atingível. Buscar, portanto, algo que tem estas premissas é seguir fatalmente rumo à frustração plena.

Aceitar a condição de imperfeito, reconhecer defeitos, é uma dádiva! O homem, ao ver-se cumulado de defeitos, é mais humano. Perceber a sua beleza, a sua inteligência e os seus dons é tão importante quanto reconhecer suas feiúras, suas incapacidades e suas deficiências. Não há amor sem ódio... somos todos amorosos e odiosos por natureza! Não há beleza plena, “todo mundo tem remela”, inclusive a bailarina! Não há força sem deslizes; competências sem incapacidades; certezas sem dúvidas.

Compreender que a força do antônimo é muito maior que a linha reta dos sinônimos é sentir-se abençoado. Importante é buscar o equilíbrio para perceber que até os defeitos nos são necessários. Sob uma ótica taoista, poder-se-ia dizer que “quanto mais Yin, menos Yang, quanto mais Yang, menos Yin”. Há mal e bem; alegria e tristeza; amor e ódio; beleza e feiúra; feminino e masculino; agressividade e delicadeza em nós. Somos assim formados. Somos assim construídos.

Aprender a amar seu ódio e odiar seu amor (difícil isso!) é acalentador! “É o ódio que mantém a intensidade do amor”, diria Pedro Luís. Conviver com sua feiúra e perceber, sabiamente, beleza dentro dela é muito melhor que escondê-la num canto escuro do seu guarda-roupa. Enxergar-se perdedor é tão nobre quanto sagrar-se vencedor...

Perfeição, devemos aprender, é estado de Deus. Somos humanos. Cheios de defeitos e qualidades. Fracos por natureza. Fortes por natureza. 







quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Grande Almanaque Fantasioso dos Maiores Amores Já Vividos na Terra


O Grande Livro...


Dos amores todos que a terra já presenciou, jurava, nunca houve um parecido com o dele por ela. Sabia disso pois, ao pesquisar no Grande Almanaque Fantasioso dos Maiores Amores Já Vividos na Terra, percorreu minuciosamente cada um dos trezentos e quarenta e sete zilhões de registros. De fato! O seu amor era muito acima da média.

A caminho de casa, na estradinha florida de lírios amarelos e sombreada de pés de Jenipapo e Cajá, subindo a Serra dos Ventos em Curva, sentia orgulho de sua descoberta. Foram trinta e nove anos pesquisando amores, lendo e se emocionando com os pregressos registros, sob velas às noites escuras, sobre a grama nas manhãs frescas das primaveras, tantas páginas, tanta saliva... Estava feliz! Sentia-se recompensado pelo árduo trabalho até poder, então, escrever seu nome, junto ao de sua amada, no tal livro sem fim!

Eis que, àquela hora, setecentos e três registros novos já existiam frente ao seu. Todos, somados aos zilhões do histórico, eram, per si, igualmente dignos da inscrição no Grande Almanaque Fantasioso dos Maiores Amores Já Vividos na Terra.