domingo, 24 de abril de 2011

Mário Quintana

Mário Quintana é um desses poetas que a gente deve ler de vez em quando pra descobrir que não se pode lê-lo sempre. Mário é profundo demais para ser visitado rotineiramente... é perigoso afogar-se em suas palavras e ousar sonhar mais que se pode.

Hoje Quintana me danou todo! Eis-me aqui a sonhar com as estrelas. Intatingíveis, graças a Deus.

Seguem, para apreciação moderada, poemas de Mário Quintana, selecionados ao gosto deste que escreve.



POEMA DA GARE DE ASTAPOVO
O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo tão sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!


Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como uma pobre lanterna que incendiou!



CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO
Eu sou um homem fechado.O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.


quinta-feira, 21 de abril de 2011

A Globo de Willians e Mírians




Há dois dias foi finalizado o VI Congresso do Partido Comunista Cubano. De plantão, pude enojar-me com Willian Waack anunciando em tons de sarcasmo a referida notícia.

Dizia ele que "com sua já conhecida roupa que mais parece um pijama, Fidel compareceu amparado por seguranças ao Congresso". Terminou a matéria do Jornal da Globo chacoteando a Internacional Comunista que fora cantada no final do congresso... "Vamos ouvir como soa ultrapassado esse hino". Para fechar completou que "estes senhores que erraram (referindo-se a Fidel, Raul e outros) agora lançam a tentativa de acertar".

Meu Deus do céu! Até quando essa corja de Willians, Mírians Leitões e Alexandres Garcias vão continuar fazendo esse jornalismo pobre e falacioso? Até quando iremos tolerar as ironias baixas de um jornalismo viciado, mesquinho!?

Ora, amigos! A informação e o que se manipula em relação a ela tem trazido a todos a noção de um ambiente político/social/econômico que não existe! As relações diplomáticas nunca foram tão superficialmente organizadas com o pressuposto da guerra (seja ela em armas pesadas ou em retaliações financeiras) como hoje em dia.

Será que ninguém percebe que o sistema ao qual a Globo acende velas é excludente, cruel, e completamente incapaz de se manter senão pela própria reverberação da própria exclusão?

O desemprego bate níveis altíssimos na Europa e nos próprios Estados Unidos. Recentemente a agência de risco internacional S&P que há 70 anos analisa o mercado mundial informou que nunca os Estados Unidos estiveram tão endividados como agora e que as perspectivas são desastrosas quando se percebe que a dívida (sim amigos, DÍVIDA) deles está em crescimento desenfreado. A agência diz: "Os Estados Unidos têm o que nós consideramos um grande déficit orçamentário e crescente endividamento do governo e o caminho para resolver esses problemas não está claro para nós". O baluarte da "Grande Democracia", já versada por Tocqueville, é um grande elefante branco, doente terminal!

As guerras estão cada vez mais freqüentes e ainda se mata por pão na África e Ásia! O mundo árabe se descobriu, enfim, ferrado, e por isso sabe o que não quer, mas não tem noção alguma do que quer. Palestina e os Judeus continuam travando a briga que só veio a piorar após a intervenção dos "donos do mundo".

Quem trava uma verdadeira "Guerra Santa" contra o terrorismo é exatamente o país que oficializou a tortura como metodologia investigativa em Guantánamo e prende supostos terroristas, e os condenam, como aconteceu com "Los Cinco", cubanos presos sem direito a habeas corpus, visitas ou quaisquer direitos.

Negros morrem de fome em Nova Orleans e índios vendem cocares no Arizona a preço de marmita fria.

O pior sistema de saúde do mundo encontra-se no país mais rico! As grandes empresas internacionais usurpam historicamente dos trabalhadores do terceiro mundo (permitam-me usar este termo). Trabalhadores filipinos ganham salário de merda para produzir tênis de running e em San Salvador produz-se a 18 centavos as camisas que a GAP vende a 20 dólares.

Quando foi necessária a força semi-escrava de trabalho para o desenvolvimento da "América" e de países europeus os imigrantes eram recebidos a migalhas anfitriãs. Quando o sapato começou a apertar o sentimento antes condolente em relação a esses já então ditos invasores é de xenofobia. Argelinos e mexicanos são para suas metrópoles vermes que ousam invadir o território patronal.

Nunca se especulou tanto. Presume-se (por Eduardo Galeano) que a cada 100 dólares movimentados no mundo apenas 20 são relacionados a produtos e serviços palpáveis, o restante é todo virtual, especulativo. Produtos primários agora são chamados commodities, e ao pobre trabalhador de lavouras de arroz na América Latina pouco commoditie sobra no prato!

A ONU dá exemplos de Liga da Justiça, comandada, porém, pelo Capitão América, comete arbitrariedades como recentemente em Assembléia que 194 países votaram a favor do fim do Bloqueio Econômico imposto a Havana, e apenas com o voto de EUA e de Israel (novidade) contrários o bloqueio ainda é uma realidade degradante ao povo cubano.

As indústrias de medicamentos e insumos, que são as mesmas que pesquisam a cura das próprias doenças que seus medicamentos tratam, continuam segurando informações avançadas de pesquisas e vendendo a cura a preços cada vez mais altos. Morre-se de tifo, dengue, malária aos milhões em pleno 2011! A AIDS (SIDA) mata a níveis de genocídio a população sul africana (a mesma que gastou absurdos para sediar uma copa do mundo e continua tão injusto quanto o nosso país continuará após a nossa).

A polícia exerce cada vez mais seu papel repressor, cada vez mais pobres são presos e ricos estão impunes, descaradamente. Roubar galinha ainda é o delito que em potencial leva às grades, roubar merenda de criança pode ser discutido e politicamente ajeitado no supremo tribunal.

O uso de drogas é uma pandemia e ao invés de ser tratado como problema de saúde pública continua sendo tratado com BOPEs, ROTAs e caveirões. O maior comprador de drogas do mundo (EUA) são os grandes financiadores mundiais de armas e equipamentos para os países produtores. Com AR-15 e AK-47 o tráfico e as milícias disputam a calibrosas balas o espaço pelo poder paralelo que os Estados não ousaram intervir enquanto política social. E é no país do Capitólio que 8 entre 10 viciados em coca são brancos, mas 8 entre dez presos pelo delito de transportar e comercializar tal droga são negros.

Vivemos no tempo do MEDO, sofremos a dor que nem existe em nome da ficção televisiva que nos faz insensíveis à dor que pulsa em nossas feridas históricas. É nesse contexto que a Globo, que abre as penas a Ricardo Teixeira e a criminosos frios como Toninho Malvadeza e Romeu Tuma, vem encher minha televisão de mentiras e jornalismo mesquinho.

Os "Willians" consideram poder de compra sinônimo de desenvolvimento. Mírians acham que ditador é quem se posiciona contra a política ditatorial dos Estados Unidos da América. Faustões e Pelágios sabem que o próprio sistema lhes é atrativo por colocá-los no topo, e ir contra quem há de?

Aos miseráveis que dormem em barracos de lona deve sobrar a mão pesada do Estado repressor. Daí tratarem como criminosas as mulheres que destruíram mudas transgênicas de eucalipto da Aracruz Celulose (empresa de capital privado, em parte da própria coroa Inglesa na figura do acionista Charles, o príncipe, que não tem uma árvore celulosa sequer plantada em solo europeu).

Continuo acreditando em Fidel. Cuba é sim uma pérola da América Central e seu povo merece um dia ser visto como vitorioso. A meu ver já venceram a maior e mais exemplar das batalhas: mostrar ao mundo que mesmo compulsoriamente isolado do mercado internacional, mesmo privado de receber incentivos internacionais e tecnologias externas, é o país que tem taxas de analfabetismo e mortalidade infantil nunca alcançadas pelo monstro abastado do norte.

Fico, por estas e outras, com FIDEL, hasta siempre!


Trecho da Internacional:




Abomináveis na grandeza
Os reis da mina e da fornalha
Edificam tal riqueza
sobre o suor de quem trabalha

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Haicaiando

Meu haicai que virou tatuagem...

Ilha deserta
A terra empurra
O mar que lhe aperta.


domingo, 10 de abril de 2011

Leminski

Só mesmo poesia para acalmar os paroxismos que nos tiram o sono.
Segue aí, grande Paulo Leminski (um Kamiquase).


Amor, então,
também acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.


quinta-feira, 7 de abril de 2011

O desvio do PT (extraído do Brasil de Fato)


Às vésperas de definições quanto à entrada ou não no "Jogo Democrático" me incitam algumas coisas que tenho lido, como que por perseguição.

Venho aqui lançar meu manifesto à Constituição da Mandioca que é o nosso processo eleitoral (por alguns imbecis e manipuladores capciosamente chamado "processo democrático"). Se em idos de 1820 os alqueires de mandioca plantados definiam quem votaria, hoje essa lógica se fundamenta na capacidade de angariar fundos em prol de um projeto político classista, construído a partir de ambições de grupos.

Candidatar-se é lançar-se no mercado do voto. "Nesses dias tão estranhos o que é demais nunca é o bastante" quando se trata de dinheiro. Dinheiro compra pessoas, ajeita coligações, facilita negociatas. O dinheiro, seja bruto ou na forma especulativa, é o grande mote que faz com que uns se aliem a outros nesse processo de repartição do grande bolo que é o Brasil e sua gente.

Passados pouco mais de 20 anos da aprovação de nossa Carta Magna podemos dizer que a ditadura está com uma roupagem nova. Poucos continuam mandando, todos obedecem... E não é a "democracia" um ambiente muito mais rentável aos grandes investidores?

"A democracia é quando eu mando em você... a ditadura á quando você manda em mim", já dizia um sociólogo nato. Outro gênio desconhecido dizia que "campanha política é um expediente democrático em que o candidato pede dinheiro ao rico para comprar o voto do pobre e promete a ambos defender um do outro".
Segue o texto...


O desvio do PT




Com o tempo, o PT também resvalou para o exclusivismo eleitoral


Marcelo Mário de Melo



Nada a dizer sobre os partidos de direita e centro-esquerda que sempre foram exclusivamente eleitorais e mantêm o seu perfil. Mas o PT é um caso a se considerar, pois surgiu com uma forte influência dos movimentos sociais e criticando o modo de agir dos demais partidos. Propôs a participação das bases, com a incorporação de milhares e milhares de cidadãos e cidadãs ao processo político. No seu Manifesto  Programa, de 1980, está escrito que a atuação nos meios institucionais não eliminaria a participação nos movimentos sociais e sua mobilização. A inflexão nessas duas vertentes se apresentava como o elemento diferencial e inovador, a cara do PT.

Com o tempo, o PT também resvalou para o exclusivismo eleitoral e as articulações de cúpula, relegando ao segundo plano, ou mesmo extirpando da sua dinâmica, o processo de organização e mobilização “nos locais de moradia, nos locais de trabalho e nos movimentos sociais”, conforme se ouvia nas rodas militantes nos anos 80 do século passado. Essa mudança de foco trouxe profundas repercussões na vida partidária, pois a feição organizativa de qualquer instituição é moldada pela sua prática cotidiana. Segundo o dito popular, “o hábito do cachimbo faz a boca torta”. E o PT entortou, sob os efeitos desse desvio político.

Houve um tempo em que os órgãos de direção partidários e as assembléias eram as instâncias em que se discutiam as articulações políticas maiores,  as estratégias eleitorais, as candidaturas etc. Era comum militantes fazerem referência a “o partido”. Com os primeiros parlamentares eleitos, uma nova instância de influência e poder surgiu e foi crescendo. E se passou a ouvir militantes se referirem a “o mandato”, com um evidente encolhimento da sua visão e da sua fidelidade política. Os gabinetes parlamentares passaram a agir com autonomia e a adquirir mais peso do que as direções partidárias. A chegada aos cargos executivos, com o seu maior poder de influência, de caneta e de caixa, desencadeou um processo avassalador de invasão de atribuições e sujeição das direções partidárias. Elas passaram a funcionar como correias de transmissão dos interesses de governo, e não como direções políticas, responsáveis pelo controle do desempenho dos seus militantes nas diversas frentes de atuação, incluindo-se aí os seus representantes no parlamento e no executivo. Como decorrência, escapou-lhes das mãos a coordenação dos processos sucessórios. No mais tradicional estilo do caciquismo, um prefeito, governador ou presidente, passou a se achar com o direito de indicar o seu sucessor e a coordenar a campanha eleitoral, como se a candidatura pertencesse a ele, e não ao partido e a um conjunto de forças partidárias e não partidárias.

À reboque dos executivos, as instâncias dirigentes passaram a ter como foco principal de atuação as eleições bienais da república e, nos intervalos, as eleições internas, cujos resultados determinam o controle dos diretórios, a indicação de candidaturas e o acesso a recursos financeiros, na sua maior parte utilizados em campanhas eleitorais e quase nada destinados ao fortalecimento da estrutura partidária e à qualificação da militância. Vejam-se a precariedade dos diretórios – e a inexistência dos diretórios zonais - , sem funcionamento regular, sem estrutura de comunicação, sem preparação de atas ou, ao menos, súmulas das reuniões.

Dentro desse padrão, com as direções partidárias destituídas das suas funções políticas maiores e restritas às mobilizações eleitorais, convenhamos que as coisas têm  andado razoavelmente, com o reforço do serviço de marketing e da militância paga. Mas o fato de a atuação dos militantes junto aos movimentos popular e sindical, suas lutas e mobilizações, não integrarem mais as pautas das reuniões, retira um elemento diferencial importante e nivela por baixo o PT, sob o denominador comum do eleitoralismo. Essa auto-satisfação com os jogos da política convencional enfraquece a formação de uma pressão democrático-popular independente e garantidora do alargamento e da velocidade dos processos políticos transformadores. E eleva o poder de barganha das forças mais atrasadas que integram alianças políticas e ocupam espaços governamentais.

Marcelo Mário de Melo é poeta e jornalista