domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal Brasileiro

Fiz isso ontem no plantão. Fica de presente pros meus amigos, em especial a um grande companheiro que re-encontrei em Viçosa e que me fez ficar meio Belmiro.


Natal Brasileiro
(ou o natal de uma rua de meninos)

Afora o aguaceiro da rua
e a friagem do papelão que lhe conforta
não há natal que vista sua alma nua.

Não houve presentes e,
no seu presente, tristeza é
a lembrança dos pais ausentes.

No natal da rua, o frango
descarneado da lata de lixo
é o banquete do homem
posto, agora, bicho.

Afora a rua e seu aguaceiro
reza o menino com inocente ironia.
Agradece a Deus, pois ruim seria
se caísse neve no natal brasileiro.

Santa Bárbara, 24/12/2011


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Aniversário

Essa é uma poesia do já citado abaixo Álvaro de Campos, também conhecido como Fernando Pessoa. Um presente que ganhei nesse "cumpleaños feliz".

A todos os amigos, aproveito para deixar sonhos em sol maior para o próximo ano.

 
Aniversário
Álvaro de Campos

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Poemas para fechar o ano...

Poesias...

Ressaca

Acordou tarde. Já era tarde quando dormira, afinal. Estava bêbado todavia.
A chuva lhe arrebatava a alma e sua cabeça tanto doía quanto pulsava. Nos pensamentos, reminiscências fragmentadas da amarga libação.
Brigou com os amigos. Jogou ao chão o que restava-lhe de bom; senso vão.
E a cabeça que lhe doía, também sofria – tal qual seu coração.

Catas Altas, novembro de 2011






Chico Buarque lê Alvaro de Campos
Dobrada à moda do Porto




Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo ...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.






Paulo José recita Mar Português, de Pessoa




Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.







segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Texto interessante...






Poderia eu começar dizendo que "não quero fazer juízo de valor ou mesmo proselitismo político" e que "apenas quero que todos atentem para o que o texto chama a atenção"... mas não dá. Este texto vem somente embasar algo que sempre digo aos amigos que criticam por puro preconceito o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: Há dois MSTs, o que existe e o que a mídia anuncia.

"Ninguém vai pra debaixo de uma lona porque quer", já dizia o próprio Stédile. O Movimento é grande, existem vieses, desvios, sim! Mas alguém aqui já parou pra pensar o porquê da existência do movimento? Alguém aqui, ao difamar este grande movimento, já se perguntou o quanto de fato se conhece dele para, então, criticá-lo? E mais; alguém já pensou que em meio a milhares de militantes "Sem Terra" existem pessoas sofridas, maltratadas pela história, judiadas, expulsas dos locais onde se enterraram seus umbigos... Alguem já se perguntou?

Darcy Ribeiro prefaciou seu próprio livro dizendo "sou homem de fé e de partido. Faço política e faço ciência movido por razões éticas (...). Não procure aqui análises isentas. Este é um livro que quer ser participante, que aspira a influir sobre as pessoas, que aspira a ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo".

É mais ou menos por aí... sou um defensor feroz do MST, do MAB (atingidos por barragens), dos SEM TETO e de tantos outros movimentos que engrossam o caldo político que um dia há de ferver neste país do Big Brother. Segue o texto do Brasil de Fato:

 

Vozes silenciadas



Os problemas na cobertura do MST não vêm da falta de conhecimento ou de acesso a informações pelos repórteres, mas sim de opções ideológicas feitas pelos meios de comunicação, tanto nas redações quanto nas direções
28/11/2011
João Brant

É perceptível que os movimentos sociais são cobertos de forma parcial pelos grandes meios de comunicação, mas raramente as organizações se debruçam para mostrar como isso acontece concretamente. Motivado por essa curiosidade, o Intervozes realizou uma pesquisa sobre a cobertura feita pela mídia impressa e televisão sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no período da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, realizada em 2010 para investigar o movimento.
Os resultados não são exatamente surpreendentes. Pesquisados três jornais, três revistas semanais e dois telejornais, foram encontradas 301 matérias que citam o MST, entre reportagens e textos opinativos. O MST é tema, mas raramente é fonte – em apenas 18,9% o próprio movimento é ouvido. Além disso, há uma clara abordagem pejorativa: dentro do conjunto analisado, foram encontrados termos negativos em 59,1% das matérias. São quase 200 diferentes expressões negativas utilizadas para se referir ao movimento.
As matérias quase não abordam o tema da reforma agrária, que aparece em apenas 14,6% delas. Mais grave: em apenas 13% das matérias são citados dados estatísticos e em 13,6% são citadas legislações. No caso dos telejornais, esse número é 0% para dados e para legislação. Para piorar, das seis matérias veiculadas no período no Jornal Nacional e no Jornal da Record, apenas uma apresenta posições divergentes.

Esse conjunto de informações demonstra uma abordagem fortemente editorializada e panfletária por parte dos órgãos de mídia. Embora as conclusões não sejam surpreendentes, elas dão suporte à percepção da maioria dos observadores atentos. Deve-se ressaltar que o MST é um movimento conhecido, com assessoria de imprensa disponível para contatos dos jornalistas e com várias informações organizadas em sua página. Isso reforça o entendimento de que os problemas na cobertura não vêm da falta de conhecimento ou de acesso a informações pelos repórteres, mas sim de opções ideológicas feitas pelos meios de comunicação, tanto nas redações quanto nas direções. O estudo se chama Vozes Silenciadas e está disponível para baixar na página do Intervozes (http://www.intervozes.org.br/)




terça-feira, 22 de novembro de 2011

A uma alma irmã que desencarnou

 
Parece um Sonho

"Parece um sonho que ela tenha morrido!"
Diziam todos… Sua viva imagem
Tinha carne!… E ouvia-se, na aragem,
Passar o frêmito do seu vestido.

E era como se ela houvesse partido
E logo fosse regressar de viagem…
- Até que o nosso coração dorido
A Dor cravava o seu punhal selvagem!

Mas tua imagem, nosso amor, é agora
Menos dos olhos, mais do coração.
Nossa saudade te sorri: não chora…

Mais perto estás de Deus, como um anjo querido.
E ao relembrarte a gente diz, então:
"Parece um sonho que ela tenha vivido!"
 
 Mário Quintana
...

sábado, 5 de novembro de 2011

Inside the Wale

 (Especialmente para Precato, Lincoln, Trololó e Paula Rodrigues)




Após alguns bons dias sem inspiração, mantenho-me sem inspiração alguma.
Valem-me, porém,  os grandes gênios que nos salvam  com suas grandes obras, já que os limites cognitivos, aliados à pasmaceira ideológico/sentimental/política que me assola, impedem-me de produzir algo que preste.

É nesse contexto descontente que caiu à minha mão este texto de um professor da Universidade de Maringá, o qual compartilho com vocês.

Trata-se de um texto metalinguístico com parafrases do grande George Orwell (lembram da Revolução dos Bichos? E do "Dentro da Baleia"? O mesmo, aliás, já serviu de inspiração para Sá, Rodrix e Guarabira - "...dentro da baleia a vida é tão mais fácil...") Tem também Marx, bíblia sagrada, Paulo Freire, Sartre...

Segue o texto, excelente. Um dos melhores que já li nos últimos 28 anos.




Política e Literatura


George Orwell: Por que escrevo


 


À Olga Ozaí da Silva,

que instiga o meu interesse pela literatura,

e que me orgulha por compartilhar a mesma paixão[1]

ANTONIO OZAÍ DA SILVA
Docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM), membro do Núcleo de Estudos Sobre Ideologia e Lutas Sociais (NEILS – PUC/SP) e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP)


 

Há os que escrevem livros que os imortalizam; há os que escrevem diários que são esquecidos, como as memórias olvidadas no recôndito da consciência. Alguns escrevem por prazer, outros pela obrigação curricular – a pressão do Lattes! Uns se dirigem aos leitores imaginários, outros querem apenas aumentar a folha corrida para disputar em melhores condições os possíveis concursos e/ou cumprirem as exigências formais e institucionais. Não há a intenção de julgamento moral, pois todos somos escravos da competição desenfreada e da ideologia meritocrática, refiro-me apenas à ênfase num e noutro caso, até porque não é necessário agir à maneira faustiana dos que vendem a alma pelas conquistas materiais e título que não os acompanharão ao final inexorável.

Há os escritores elitistas que se imaginam gênios em suas torres de marfim; pensam encarnar a verdade e o mundo se reduz ao próprio umbigo. Escrevem como se a realidade, o mundo material, não existisse, mas apenas os conceitos, as categorias universais, o mundo do intelecto.[2] Há mesmo os que torcem o nariz diante da hipótese de escreverem artigos, pois os consideram efêmeros e supõem que os livros eternizam. Há também os maquiavéis modernos que escrevem como conselheiros do príncipe de plantão, na ilusão de que este, ou quem sabe os seus assessores mais próximos, o leiam.

Há, ainda, os que escrevem para transformar o mundo, palavras que anunciam utopias e, muitas vezes, encharcadas de um dogmatismo intolerante, próprio dos que querem salvar o mundo e as almas dos demais não importa qual o meio. Em tempos de internet, aliás, não é incomum o proselitismo dos missionários e panfletários que, bem alimentados e acomodados em suas poltronas à frente do computador, imaginam fazer a revolução. Em nosso tempo, a tecnologia potencializa a difusão da mensagem de grupelhos que projetam redimir a humanidade lançando suas palavras proféticas e apocalípticas na grande teia que abarca os milhões de computadores. O ciberespaço reforça o modismo dos manifestos, cuja eficácia é duvidosa mas fornece a sensação de que “estamos fazendo algo”, apazigua as consciências e nos oferta uma vitrina para exibir nossos nomes e títulos acadêmicos. O ciberespaço fomenta uma nova militância e torna possível até mesmo o “partido do eu”. Bem-vindos à militância virtual.[3]

A internet produz a ilusão da “revolução on-line” e propicia uma espécie de desencargo de consciência, como se a palavra adquirisse vida própria[4] no momento em que entulhamos as caixas postais uns dos outros com gigabytes de arquivos anexos e textos repassados num movimento circular incessante.[5] Mas a internet também potencializa as possibilidades dos intelectuais divulgarem e debaterem as suas idéias; ela democratiza o meio, ainda que limitado aos que têm acesso, na medida em que barateia e nos torna menos dependentes dos esquemas editorias mercadológicos. A despeito das vantagens que oferece, o meio virtual também têm o seu calcanhar de Aquiles. Como toda tecnologia, pode ser bem ou mal usada.

O intelectual engajado, no sentido sartreano, encontra na internet um campo fértil para a sua militância. Não obstante, este tipo de engajamento embute o engodo de acreditar no potencial mágico da virtualidade. Tende a se assemelhar ao típico intelectual incrustado na torre de marfim. Por outro lado, existe a tendência ao dogmatismo e à doutrinação. A concepção de mundo do intelectual engajado tende a ser maniqueísta, dividido entre o bem e o mal, os amigos e os inimigos. Por isso, a exemplo de Norberto Bobbio, prefiro a responsabilização do intelectual.[6]

Por que escrever?

George Orwell expôs os móbeis que o levaram a escrever e, ao fazê-lo, nos ofereceu traços autobiográficos. Para ele, este recurso se fez necessário porque “não se pode avaliar o que move um escritor sem uma noção de seu desenvolvimento inicial”. A sua formação, sua história de vida o influenciará. “O assunto será determinado pela época em que ele vive [...], mas antes de começar a escrever ele já terá adquirido uma atitude emocional da qual jamais se livrará de todo”, afirma Orwell (2005: 24).[7]

O autor de “A Revolução dos Bichos” e “1984”, relaciona quatro motivos que, em maior ou menor grau, impulsionam a escrever:


“1. Puro egoísmo. O desejo de ser engenhoso, de ser comentado, de ser lembrado após a morte, de se desforrar de adultos que o desdenharam na infância e por aí afora. É uma falsidade fazer de conta que este não é um motivo forte” [...]

2. Entusiasmo estético. A percepção da beleza no mundo externo ou, de outro lado, nas palavras e em seu arranjo correto. Prazer no impacto de um som sobre outro, na firmeza de uma boa prosa ou no ritmo de uma boa história. O desejo de compartilhar uma experiência é valioso e não se deve deixar escapar. O motivo estético é muito débil numa porção de escritores, mas mesmo um panfleteiro ou um escritor de livros didáticos terá palavras e frases prediletas que lhe agradam por razões não utilitárias [...].

3. Impulso histórico. O desejo de ver as coisas como elas são, de encontrar fatos verídicos e guardá-los para o uso da posteridade.

4. Propósito político – a palavra “político” entendida aqui em seu sentido mais amplo. O desejo de lançar o mundo em determinada direção, de mudar as idéias das pessoas sobre o tipo de sociedade que deveriam se esforçar para alcançar. Também neste caso ninguém está verdadeiramente isento de tendências políticas. A opinião de que a arte não deveria ter a ver com política é em si mesma uma atitude política” (Id.: 24-25).

Todos estes impulsos atuam sobre os escritores. A recusa, por exemplo, do fator “puro egoísmo” é hipocrisia[8]; se há algo que é comum aos intelectuais é a vaidade. Em alguns casos, esta chega a ser uma espécie de doença congênita, como afirmou Max Weber.[9] O segundo e o terceiro motivos que nos impulsionam à escrita também são identificáveis, ainda que possam ser inconfessáveis pelos autores. Orwell (Id.: 25) observa que:


“Pode-se perceber como esses diferentes impulsos são antagônicos e variam de pessoa para pessoa, de época para época. Por natureza – considerando “natureza” o estado a que se chega quando se fica adulto – sou uma pessoa para quem os três primeiros motivos tem mais importância do que o quarto”.

Trata-se da polêmica relação entre literatura e política. É possível ao escritor se isentar da política? Porém, a politização da literatura não envolve o perigo do seu empobrecimento estético e da sua redução à forma panfletária? Nem todo autor politicamente engajado produz boas obras literárias; por outro lado, autores que não tiveram a pretensão de escrever romances políticos, terminaram por nos legar obras essenciais. [10] Para Irving Howe (1998: 197): “Romancistas comprometidos com temas políticos não têm necessariamente que chegar a conclusões políticas: em geral é melhor que não tentem fazê-lo”.

A política envenena a literatura na medida em que subordina a criatividade e a necessária autonomia do intelecto às lealdades do grupo e seus dogmas. “Lealdades de grupos são necessárias, e no entanto são um veneno para literatura, uma vez que a literatura é o produto das individualidades”, salienta Orwell (2005: 161). O escritor vinculado ao partido se torna o servidor e propagandista da verdade deste; ele é vigiado e se vigia.[11] Isso significa que ele deve se refugiar em sua torre de marfim e se abster da política em nome da sua liberdade de expressão? “Temos então que concluir que é dever de todo escritor “não se meter em política”?, pergunta Orwell. Sua resposta é taxativa:


“É claro que não! Como eu já disse, nenhuma pessoa racional pode não se meter, ou realmente não se mete, com política numa época como a de hoje [1948]. Apenas sugiro que deveríamos estabelecer uma distinção mais nítida do que fazemos hoje com nossas lealdades políticas e literárias, reconhecendo que a disposição para fazer algumas coisas desagradáveis, mas necessárias, não acarreta nenhuma obrigação de reprimir as crenças que em geral as acompanham. Quando se envolve em política, um escritor deveria fazê-lo como cidadão, como ser humano, e não como escritor. Não penso que ele tenha o direito, apenas por causa de suas sensibilidades, de se esquivar do trabalho sujo e corriqueiro da política”. (Id.: 162).

George Orwell não admite que em nome da pureza estética, da arte pela arte, o intelectual se ausente do mundo real e da política. Nenhum escritor é plenamente apolítico – “E nenhum livro é de todo neutro” (Id.: 113). O intelectual, ou mais precisamente o escritor, que se refugia na comodidade do seu reduto cristalino não está imune à realidade que o cerca – em especial em tempos de crise política. O seu silêncio e/ou isolamento do mundo real paga o tributo à aceitação da realidade social, com as suas injustiças e opressões. A sua posição, mesmo quando reconhece tais circunstâncias, é não fazer nada; parte do princípio de que é melhor se resignar. “Mas, numa época como a nossa, será uma atitude defensável?”, questiona Orwell (Id.: 136).[12]

Orwell utiliza a metáfora do ventre da baleia para se referir à atitude quietista dos intelectuais. São os “Jonas” dos tempos modernos. Leiamos seu argumento:


“Claro que a criatura que engoliu Jonas era um peixe, e assim foi descrito na Bíblia (Jonas, 1, 17), mas crianças a confundem com uma baleia e esse fragmento de linguagem infantil é em geral transferido para a vida de adulto – um sinal, quem sabe, do poder que o mito de Jonas exerce sobre a nossa imaginação. Pelo fato de estar dentro de uma baleia pode ser uma idéia bem confortável, aconchegante, cômoda. O Jonas histórico, se é possível chamá-lo assim, ficou muito contente de escapar, mas na imaginação, no devaneio, inúmeras pessoas o invejaram. É claro que o motivo para isso é óbvio. As entranhas da baleia são apenas um útero grande o suficiente para conter um adulto. Lá ficamos, no espaço almofadado e escuro em que nos encaixamos perfeitamente, com metros de gordura entre nós e a realidade, capazes de manter uma atitude da mais completa indiferença, não importa o que aconteça” (Id.: 135).

Os “Jonas” do nosso tempo passam a vida na “barriga da baleia” e recusam compromissos políticos. Como escreve Orwell, “é o estágio sem igual, definitivo, da irresponsabilidade” (Id.:136). No entanto, a participação política também acarreta ônus. Eis o dilema dos intelectuais:


“Trancar-se numa torre de marfim é impossível e desaconselhável. Entregar-se subjetivamente, não apenas a uma máquina partidária, mas a uma ideologia de grupo, é se destruir como escritor. Entendemos que esse é um dilema doloroso, porque percebemos a necessidade de envolvimento na política ao mesmo tempo que também percebemos o quanto ela é uma atividade degradante e sórdida. E a maioria de nós ainda tem uma crença persistente em que toda escolha, mesmo política, é entre o bem e o mal, e em que se uma coisa é necessária é também certa. Penso que devemos nos livrar dessa crença, que pertence ao universo infantil. Em política, nada mais podemos fazer do que concluir qual dos males é o menor, e existem situações das quais só podemos escapar agindo como um diabo ou um louco (Id.: 163)”.[13]

Por que escrevo?

Embora as reflexões de George Orwell se refiram à literatura, aos livros, elas também contribuem para pensarmos nos dilemas de um simples escritor de artigos (ele próprio também produziu vários trabalhos deste tipo, inclusive resenhas e textos jornalísticos).

Orwell pensa a literatura e a política enquanto um “dilema doloroso”, mas resguardando a autonomia relativa do escritor. Este é um ser cindido, dividido entre as exigências do ofício da palavra e seu compromisso com o mundo real – a não ser que se refugie “dentro da baleia”. Mas a atuação política não significa escrever para “fazer cabeças”, “ganhar mentes”. Ela se refere apenas ao reconhecimento de que a escrita não está isenta de valores políticos e morais. Não se trata de convencer os outros de que estes valores, explícitos ou implícitos, sejam os únicos e representem a verdade absoluta. Diria que escrevo muito mais para me persuadir de que são válidos. Tenho para mim, ainda mais em tempos de internet, que o escrito não mais me pertence e que as possíveis interpretações são tão legítimas quanto o interpretado.

Escrever é um estímulo à leitura e à dúvida permanente; é um momento para organizar o pensamento e dialogar com os autores que leio. Ler e escrever é recompensador pela descoberta incessante de que as certezas não são eternas e que as incertezas alimentam a mente, na medida em que nos inspira a percorrer outros caminhos e buscar respostas que geram outras dúvidas e assim por diante... Escrever é também se expor, arriscar-se. Daí a necessidade consciente e/ou inconsciente da autovigilância. Não existe liberdade de expressão absolta, esta é sempre condicionada pela época e contexto político e social.

Confesso, porém, que me alegra – eis o egoísmo! – saber que há leitores interessados no que escrevo. E sempre vale a pena, ainda que sejam poucos. Não espero a imortalidade através da escrita, mas me sinto bem ao saber que o meu esforço para ler e escrever pode contribuir para despertar o interesse deste ou daquele jovem estudante, das minhas filhas e de muitos que conheço apenas por email. E, no final das contas, a imortalidade é uma ilusão, já que, de qualquer forma, estarei morto.

Não escrevo com a pretensão de transformar o mundo através das palavras; estas só são eficazes quando materializadas em força política – e não milito em partidos nem me sinto na obrigação de reverenciar grupos políticos. É suficiente que a escrita me transforme; então, poderei aprender a ser melhor enquanto indivíduo que atua na sociedade, como pai, professor etc. Se a leitura e a escrita me fazem melhor, também influenciam o cotidiano e o meu modo de ser e viver; e me transformando, posso contribuir mais e melhor com os que convivo. [14] E isso também me ensina que sempre há algo a aprender com eles...

Assumo, por fim, que sou apaixonado pelas palavras. E estas não são neutras, estão carregados de sentidos políticos.[15] Talvez este seja o mistério que envolve escritor e leitor. Só me resta agradecer a você por compartilhar estas reflexões.
 





__________

[1] Agradeço à Olga Ozaí da Silva por ler, sugerir e comentar este trabalho.


[2] Como assinalou Paulo FREIRE: “Em última análise, tornamo-nos excelentes especialistas, num jogo intelectual muito interessante – o jogo dos conceitos! É um “balé de conceitos”. (FREIRE e SCHOR, 1986: 131)


[3] Escrevi sobre este tema na REA, nº 24, maio de 2003. Ver: Internet e militância virtual: a revolução está no ar.


[4] Palavras “soltas no ar” não mudam a realidade. A militância virtual parece esquecer que: “As armas da crítica não podem, de fato, substituir a crítica das armas; a força material tem de ser deposta por força material, mas a teoria também se converte em força material uma vez que se apossa dos homens. A teoria é capaz de prender os homens desde que demonstre sua verdade face ao homem, desde que se torne radical. Ser radical é atacar o problema em suas raízes. Para o homem, porém, a raiz é o próprio homem.” (MARX, 2002).


[5] Como ressaltei em outra oportunidade, este tipo de ativismo redunda no que Bourdieu (1997), referindo-se ao campo jornalístico, denominou de circulação circular das informações. Como os jornalistas, os internautas constituem um campo com interesses, muitas vezes conflitantes, e propriedades comuns: lemos uns aos outros e somos informados por mecanismos e fontes semelhantes. Ver: Internet e militância virtual: a revolução está no ar.


[6] Em “Os intelectuais diante do mundo: engajamento e responsabilidade”, REA 29, outubro de 2003, analisei este tema.


[7] “Por que escrevo”, incluído na coletânea “Dentro da Baleia e outros ensaios”, organizada por Daniel Pizza (ORWELL, 2005), está disponível em http://www.espacoacademico.com.br/029/29orwell.htm (e também a versão em inglês). As citações são do livro.


[8] “Todos os escritores são vaidosos, egocêntricos e ociosos, e bem no fundo de seus motivos jaz um mistério. Escrever um livro é uma luta horrível e exaustiva, como um prolongado ataque de uma enfermidade dolorosa. Ninguém jamais se incumbiria de tal coisa se não fosse impelido por um demônio ao qual não se pode resistir nem entender”, afirma Orwell (2005: 30).


[9] “A vaidade é um traço comum e, talvez, não haja pessoa alguma que dela esteja totalmente isenta. Nos meios científicos e universitários, ela chega a constituir-se numa espécie de moléstia profissional”. (WEBER, 1993: 107; grifos nosso). Bourdieu observa que os intelectuais constituem sociedades de admiração mútua. “Afora os artistas e os intelectuais, poucos agentes sociais dependem tanto, no que são e no que fazem, da imagem que têm de si próprios e da imagem que os outros e, em particular, os escritores e artistas, têm deles e do que eles fazem. “Há qualidades, escreve, Jean-Paul Sartre, que nos chegam unicamente através dos juízos do outro” (1974: 108). As minhas reflexões sobre a vaidade e a arrogância no campo acadêmico se encontram em: “Óleo de Lorenzo e Patch Adams: A arrogância titulada” (REA, nº 28, setembro de 2003), “Aqui jaz fulano de tal... e a sua superioridade!” (REA, nº 30, novembro de 2003) e “Sobre a vaidade no campo acadêmico” (REA, nº 45. fevereiro de 2005).


[10] Em “A Política e o Romance”, Howe (1998) analisa como os grandes romancistas dos séculos XIX e XX encontraram na política uma fonte de inspiração..


[11] “No todo, a história literária da década de 1930 parece justificar a opinião de que um escritor faz bem em ficar fora da política. Porque qualquer escritor que aceite, ou aceite parcialmente, a disciplina de um partido político cedo ou tarde se defrontará com a alternativa: seguir a linha, ou se calar. Claro que é possível seguir a linha e continuar escrevendo – de acordo com um modelo”, escreve Orwell. Mas, no final, este intelectual se renderá aos ditames do partido, à lealdade ideológica devida ao mesmo. “A literatura como a conhecemos é algo individual, que exige honestidade mental e um mínimo de censura”, frisa Orwell (2005: 131).


[12] “Dizer “aceito” numa época como a nossa é dizer que aceitamos campos de concentração, cassetetes de borracha, Hitler, Stalin, bombas, aviões, enlatados, metralhadoras, golpes de Estado, expurgos, slogans, esteiras de Bedaux, máscaras contra gases, submarinos, espiões, provocateurs, censura à imprensa, prisões secretas, aspirinas, filmes de Hollywood e assassinatos políticos. Não só essas coisas, claro, mas essas entre outras coisas”, afirma Orwell (2005: 104). Estas palavras, do texto “Dentro da Baleia”, foram escritas em 1940; mudou o contexto histórico, mas o questionamento à passividade permanece atual.


[13] Mais doloroso ainda se o intelectual não faz o sacrifício do intelecto e procura manter sua independência política diante dos grupos e ideologias partidárias. O próprio George Orwell é um exemplo do quanto é difícil manter uma posição política de esquerda, porém dissidente e não enquadrada nos rótulos ideológicos disponíveis. Ver: “CENTENÁRIO DE GEORGE ORWELL - Os dilemas do intelectual militante de esquerda” (REA, nº 26, julho de 2003).


[14] A literatura tem uma função também humanizadora, nos aproxima mais dos dilemas da existência humana e nos permite compreender melhor esse ser complexo que somos. Ver: “A importância da literatura para o homem de cultura universitária, qualquer que seja sua especialização”, de Maurício Tragtenberg (REA, nº 07, dezembro de 2001).


[15] Em resenha publicada na REA, nº 13, julho de 2002, faço uma reflexão sobre “A função política da linguagem”.

sábado, 15 de outubro de 2011

Aula de como usar a vírgula...

Dizem que Mário Quintana foi preterido pelos "imortais" da ABL (aliás, hoje contamos com José Sarney Assassino nesse clubinho). Ao perceber-se excluído Quintana, sabiamente,  teria dito:
"Eles passarão.
Eu, passarinho"


E segue abaixo um poeminha, dele, com vírgulas indecentes...


Da caridade
Se se pudesse dar, indefinidamente,
Mas sem, do que se deu, nada perder, em suma,
Ainda assim, muita gente
Nunca daria coisa alguma...




sábado, 8 de outubro de 2011

Los Cinco

Quando estive em Cuba em 2004 a campanha pela libertação dos "Cinco" estava a todo vapor. Com o "Império" é assim que funciona... não é necessário julgamento. A verdade está com os Yankees!

Obs: Esse tipo de notícia nunca estará no Jornal Nacional. Mas está no Brasil de Fato.



René González é libertado nos Estados Unidos

González é um dos cinco cubanos presos políticos nos Estados Unidos sob acusação de espionagem

07/10/2011 
Da redação

Depois de 13 anos, foi libertado nesta sexta-feira (07) René González, um dos cinco cubanos presos políticos nos Estados Unidos sob acusação de espionagem.
González deixou a prisão federal de Marianna, no norte da Flórida, por volta das 4h (5h no horário de Brasília). Ele é o primeiro integrante do grupo, conhecido em Cuba como os "cinco heróis", a ser libertado.
González deverá, no entanto, permanecer nos Estados Unidos por três anos, sob um regime de liberdade supervisionada. O cubano, que tem nacionalidade dupla, pois nasceu em Chicago, teve seu pedido de retorno à ilha negado em fevereiro pela juíza Joan Lenard.
Na saída da prisão, González foi recepcionado por suas duas filhas, Irma e Ivette, seu irmão Roberto, seu pai, Cándido, e seu advogado Philip Horowitz. Sua mãe, Irma Sehweret e sua esposa, Olga Salanueva, entretanto, não puderam estar presentes, pois o governo estadunidense não lhes deu autorização para entrar no país.
Segundo seu advogado, González foi examinado depois de deixar a prisão e se encontra em bom estado de saúde. 
González foi preso em 1998, junto a Gerardo Hernández, Ramón Labaniño, Antonio Guerrero e Fernando González. Eles foram condenados em 2001 por espionagem e envolvimento no abatimento de dois aviões de um grupo opositor radicado em Miami. 
As autoridades cubanas admitiram que os "cinco heróis" trabalhavam como agentes, mas afirmaram que sua missão era impedir atos terroristas contra o então presidente Fidel Castro e que não ameaçavam a segurança dos Estados Unidos.
As prisões dos cinco desencadearam, em todo o mundo, vários protestos que contavam com o apoio de intelectuais, familiares, políticos e outros setores da sociedade civil que pediam sua libertação.


sábado, 1 de outubro de 2011

Rock (?) in Rio



Não é pra ser ranzinza, mas ontem eu tava muito cansado, apaguei em frente à televisão vendo o Rock in Rio na Multishow. Surreal... dormi vendo Jota Quest e acordei ouvindo Ivete Sangalo!

Não to querendo ser purista, chato... mas é que é muito estranho perceber que o "festival de rock" virou um festival midiático pop, mas manteve o nome.

É como ir no AXÉ BRASIL e ouvir KISS tocando... tenho certeza  de que todo mundo iria achar bizarro... Mas tá valendo. Por falar em KISS, deixo aqui um gostinho do acústico deles. Esse vídeo é SENSACIONAL!






...da próxima vez vamo pedir Eric Clapton na programação de BARRETOS!







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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Texto bom demais...

Recebi este texto de uma amiga (aliás, Fabiana, mande-me a fonte pois não achei na net). Compartilho com vocês.
Trata-se de uma ótima reflexão sobre a greve dos professores em nosso estado e sobre a meritocracia da nossa educação que teima em ranquear alunos e escolas. Foi assim com o antigo "Provão" do ministro Paulo Renato e, agora com o ENEM. Segue...



Quem educa os educadores? 

João Paulo 
Publicação: 24/09/2011 04:00
Para Paulo Freire, educação é um processo político de compreensão da realidade e de transformação do mundo (Arquivo/EM - 12/6/82 )  
Para Paulo Freire, educação é um processo político de compreensão da realidade e de transformação do mundo

A educação continua ocupando espaço nos meios de comunicação, o que é muito importante. No entanto, a forma como vem sendo tratada parece carregar alguns descaminhos preocupantes. Numa análise mais rápida, é possível ler nos jornais dois tipos de enfoques. O primeiro, relativo ao movimento grevista, que acentua sempre os prejuízos dos alunos, numa cobertura nitidamente ideológica, no sentido filosófico do termo (não se trata de mentira, mas de verdade construída sobre os brancos, as fraturas do conhecimento, de modo a sustentar visão de mundo que precede o fato). O segundo enfoque ganhou destaque na semana que passou, com o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com ênfase para as escolas que alcançaram as melhores marcas.Já defendi neste espaço a legitimidade moral da greve, seu conteúdo político e pedagógico e o que ela aponta em termos de descaso não com o salário dos profissionais, mas com a educação em si. O que parece ter se somado nos últimos dias foi a postura de buscar um canal de comunicação de mão única com a sociedade, por meio de mensagens publicitárias, sem que as negociações avancem no campo propriamente político. O discurso da propaganda (o lado político da publicidade) é necessariamente lacunar e interessado. Trata-se de comunicação que elide o outro e inviabiliza o diálogo. Ao localizar no professor grevista o responsável pelas tribulações da greve, o governos corre o risco de fazer com que um instrumento legítimo se torne mecanismo de coerção. Uma sociedade sem direito de greve é politicamente uma sociedade mais pobre.

Para fazer frente a esse impasse comunicativo – sem entrar no mérito do movimento – caberia à imprensa ocupar a arena com ampliação dos canais de elocução, com a abertura ao contraditório e com o enriquecimento do debate em termos de alternativas de gestão. Além disso, à isenção e imparcialidade que definem o bom jornalismo, deve-se somar o compromisso com a construção do saber, com o arejamento do horizonte de possibilidades. Se professores de um lado e governo de outro se mostram emparedados, a imprensa tem o nobre papel de facilitar o trânsito das ideias. O direito à informação, mais que uma concessão, é uma conquista que precisa ser reafirmada a cada dia. É consenso que a educação ainda não conquistou uma cobertura jornalística à altura de sua importância.Melhor para quem?

O segundo aspecto que ocupou os jornais, e que se relaciona com a educação, foi o anúncio das “campeãs” do Enem. Escolas de todo o Brasil foram ordenadas a partir dos resultados nas provas, com a irrefletida e empolgada cobertura dos meios de comunicação, ávidos em descobrir o segredo das melhores escolas. Será que há sentido nesse tipo de ranking? Sinceramente, acredito que não. Trata-se de uma tradução da lógica do sucesso definido a partir de indicadores de bom desempenho em testes que se relacionam apenas com conteúdos programáticos tradicionais. Nada mais distante da educação do que isso. No máximo pode-se declarar que se trata de um efeito Pigmalião: os melhores alunos serão os que a escola escolhe como melhores e, em nome dessa avaliação prévia, investe todos os seus recursos pedagógicos. Escolher os melhores significa alijar os “piores”.

A situação fica ainda mais grave quando, acompanhando as reportagens com as escolas “vencedoras”, observa-se que todas elas são discriminatórias, elitistas e contra a inclusão social. Para conseguir vagas nas instituições com bons resultados, os alunos precisam ter aptidões prévias destacadas. Quem não vai bem na prova de acesso não entra. O dispositivo-Enem (sua transformação em ferramenta quantitativa), na verdade, está na base, não no resultado do processo de educação. Uma escola que rejeita alunos com notas baixas em nome da meritocracia ou qualquer ideologia espúria do gênero não deveria merecer o nome antigo de educandário. O papel da escola é exatamente educar, integrar, possibilitar o exercício da liberdade e igualdade, mesmo com alunos de diferentes níveis de saber formal.

Espanta ainda mais que, ao lado da efusão das comemorações dos colégios (muitos deles públicos e religiosos), se ostente o resultado como consagração do princípio educativo de fazer destacar uns sobre os outros. A melhor escola não é a que tem alunos com melhores notas (essa apenas seleciona melhor sua fatia de preconceito e falta de espírito público – no caso das públicas – e de amor ao próximo – quando se trata de instituições religiosas). A boa escola tem um compromisso político e moral: ela precisa ser uma escola boa. Os pais, por sua vez, deveriam valorizar filhos cheios de bondade e não consagrados com boas notas.

Se o critério não é a aprendizagem de conteúdos previamente valorizados, qual deveria ser? Trata-se de uma questão complexa e interessante, que aponta para o que se deseja da escola e do processo educacional. Em outras palavras, para o que a sociedade define como conhecimento relevante e progresso social. Ao lado do saber (suposto) dos conteúdos, há uma pletora de elementos educativos que vêm sendo soterrados pela dinâmica competitiva da educação para o desempenho. Há alguns anos, o pensamento sobre a educação era de interesse coletivo de vários campos do conhecimento. As pessoas conheciam algo de Piaget e sua preocupação com os estágios de formação dos conceitos, de modo a valorizar a infância e seu tempo peculiar; discutiam Ivan Illich e sua proposta de uma sociedade sem escolas (a educação estaria incorporada na prática da vida, sem necessidade de formalização); buscavam em Freud a impossível mestria e o conhecimento sobre a infância, na procura das possibilidades da educação como empreendimento civilizador; sonhavam com a utopia de Paulo Freire de uma escola da vida, que valorizasse os saberes, operasse a leitura crítica do mundo e fizesse da educação uma prática de liberdade. Não se fala mais em pedagogia, mas em mercado.

Hoje o que vale é o resultado, a lista de classificação, o privilégio de fazer parte de uma elite. Marx, que entendeu o capitalismo como poucos, sabia que os homens são capazes de mudar as circunstâncias e que, por isso, o educador precisava ser educado. É bom notar que a figura do educador, neste caso, não se refere ao professor, mas a quem designa os conteúdos que paralisam a sociedade num quietismo conservador e satisfeito com suas medalhas. As melhores escolas de Minas e do Brasil não têm, nesse sentido, muito do que se orgulhar. Está na hora de abrir as portas, as mentes e o coração. Elas precisam ser mais bem educadas.



sábado, 24 de setembro de 2011

Mário Quintana e um Haicai

Permitam-me compartilhar um pouquinho desse "passarinho"...


No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...





E um Haicai meu, chamado Soneto...


Soneto

As paixões e as saudades minhas
cabem num infinito
de catorze linhas




quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Uma alegria para sempre

Uma balada de 16 de agosto, ou como diria o próprio autor...



....Uma alegria para sempre

As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides... Que importa se –
depois de tudo – tenha "ela" partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma? Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto
deves à ingrata criatura...
A thing of beauty is a joy for ever

disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer.

 - - - Mario Quintana - - -


domingo, 11 de setembro de 2011

O amor e outros estranhos rumores

Murilo Rubião é um desses tantos autores mineiros injustiçados pelo preterimento literário. Tive meu primeiro contato com Rubião há uns anos, ao ler um conto fantástico de sua autoria (em duplo sentido, visto que o mesmo é o mais importante representante do Realismo Fantástico no Brasil).

Recentemente fui comprar um livro dele, por curiosidade mesmo, já que Fernando Sabino cita-o em uns de seus livros (acho até que Rubião foi o padrinho reserva do casamento  de Sabino, já que Mário de Andrade "não aceitou" o convite - não é mesmo, Precato?). Ao chegar na livraria me surpreendi com o livrinho de cento e poucas páginas em que lia-se "Murilo Rubião - Obra Completa". São, ao longo de sua vida, 33 contos, todos introduzidos com paráfrases bíblicas e, garanto (!), não adianta tentar resenhar... só posso recomendar. São contos deliciosos de se ler!

Aproveito o ensejo para indicar uma peça a ser apresentada no Sesc aí de BH. É baseada na obra de Murilo Rubião. Quem vai ?

Segue:



De 16 a 18 de setembro, o SESC Palladium será palco do espetáculo "O Amor e Outros Estranhos Rumores", dirigido por Yara de Novaes e estrelado por Débora Falabella, Maurício de Barros, Rodolfo Vaz e Priscila Jorge. Baseada na obra de Murilo Rubião e adaptada por Silvia Gomez, a peça busca expressar o quanto há de ordinário e, ao mesmo tempo, extraordinário em nossas vidas.


O Amor e Outros Estranhos Rumores
Data: 16 a 18 de setembro
Horário: Sexta e sábado, às 21 horas, e domingo, às 19 horas.
Local: Teatro Sesc Palladium
Endereço: Rua Rio de Janeiro, 1046. Centro
Preço: R$20 (inteira) e R$10 (meia-entrada)
Informações: (31) 3214-5350