domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal Brasileiro

Fiz isso ontem no plantão. Fica de presente pros meus amigos, em especial a um grande companheiro que re-encontrei em Viçosa e que me fez ficar meio Belmiro.


Natal Brasileiro
(ou o natal de uma rua de meninos)

Afora o aguaceiro da rua
e a friagem do papelão que lhe conforta
não há natal que vista sua alma nua.

Não houve presentes e,
no seu presente, tristeza é
a lembrança dos pais ausentes.

No natal da rua, o frango
descarneado da lata de lixo
é o banquete do homem
posto, agora, bicho.

Afora a rua e seu aguaceiro
reza o menino com inocente ironia.
Agradece a Deus, pois ruim seria
se caísse neve no natal brasileiro.

Santa Bárbara, 24/12/2011


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Aniversário

Essa é uma poesia do já citado abaixo Álvaro de Campos, também conhecido como Fernando Pessoa. Um presente que ganhei nesse "cumpleaños feliz".

A todos os amigos, aproveito para deixar sonhos em sol maior para o próximo ano.

 
Aniversário
Álvaro de Campos

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Poemas para fechar o ano...

Poesias...

Ressaca

Acordou tarde. Já era tarde quando dormira, afinal. Estava bêbado todavia.
A chuva lhe arrebatava a alma e sua cabeça tanto doía quanto pulsava. Nos pensamentos, reminiscências fragmentadas da amarga libação.
Brigou com os amigos. Jogou ao chão o que restava-lhe de bom; senso vão.
E a cabeça que lhe doía, também sofria – tal qual seu coração.

Catas Altas, novembro de 2011






Chico Buarque lê Alvaro de Campos
Dobrada à moda do Porto




Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo ...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.






Paulo José recita Mar Português, de Pessoa




Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.