terça-feira, 10 de março de 2015

Pipa

Foto de Fábio Teixeira

Não queria mais a pipa. Os dedos cortados de cerol, calejados de cortar taquara, se agarraram na escadinha de metal que o levou da laje. Nunca mais voltou ao teto de sua casa e a pipa, solta no espaço, ia, serpenteando entre urubus, no céu azul de sua infância.  De volta ao chão decidiu ser o ‘homem’ que seu pai, insensível, tantas vezes lhe exigia ser. Ele que, aos nove anos, nem sabia o que era preciso para ser, então, ‘homem’.
A linha, partida, deu à pipa liberdade e ao menino os pés no chão. A partir daquele dia, dia a dia, durante o correr inexorável dos anos, o homem-menino cresceu. E suou, trabalhou, chorou, não entendeu, correu, bateu marreta, casou, amou?, multiplicou, testemunhou, juntou, colheu, gastou, envelheceu; se cansou.
E numa tarde amarela de agosto, os olhos perdidos no céu, o velho-menino se transformou em uma linda pipa azul.

Catas Altas, janeiro 2015



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