A
gente vai percebendo que envelhecer é um processo mais complexo que a simples
cronologia da coisa. Também se vai criando o sentimento de que não é só o corpo
que adquire rugas e cicatrizes. A alma, esse fantasma que ainda não voou,
também guarda suas cicatrizes, ganha rugas, perde os cabelos.
Uma
vez ouvi que envelhecer é acumular perdas. Por isso é que algumas crianças órfãs
são estranhamente maduras, como velhos em pele tenra. O fim de um amor; um
adeus dito entre dentes; a morte de um amigo... São infortúnios que nos tornam amargos,
pesados, inexoravelmente velhos!
Ao meu amigo
que ficou encantado ontem, ofereço-lhe uma Rosa:
"Sofri o
grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem,
depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que
agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao
menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa
canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo,
rio a fora, rio a dentro — o rio."
(trecho de "A terceira margem do rio", de Guimarães Rosa)