segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Sussuruídos

A gente vai percebendo que envelhecer é um processo mais complexo que a simples cronologia da coisa. Também se vai criando o sentimento de que não é só o corpo que adquire rugas e cicatrizes. A alma, esse fantasma que ainda não voou, também guarda suas cicatrizes, ganha rugas, perde os cabelos.
Uma vez ouvi que envelhecer é acumular perdas. Por isso é que algumas crianças órfãs são estranhamente maduras, como velhos em pele tenra. O fim de um amor; um adeus dito entre dentes; a morte de um amigo...  São infortúnios que nos tornam amargos, pesados, inexoravelmente velhos!

Ao meu amigo que ficou encantado ontem, ofereço-lhe uma Rosa:


"Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio."

(trecho de "A terceira margem do rio", de Guimarães Rosa)