quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Tabacaria

Se juntarmos Tabacaria, Fausto, Encontro Marcado, Farewell... em uma sacola, devemos jogá-la fora rápido!
...pode ser muito perigoso carrega-la pela vida.





Recitado por Abujamra.
Seleção de trechos deste que escreve.

Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.


Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.


Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
A roupa que vesti era errada.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir a roupa que não tinha tirado.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.


0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(0 Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.




sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Caio. Fernando. Abreu.









Já se passaram alguns anos desde a primeira vez que o li.
Caio. Intenso. Nervoso. Triste. Angustiado. Doentio. Depressivo. Superdepressivo. Docemente esperançoso. Verborrágico. Enorme... grande!
Caio... Perseguido. Exilado. Coração partido. Mulher. Cabelos vermelhos. Brincos. Óculos. Vidros quebrados.

...

Historinha com final triste...

Um dia, andando pelas ruas de Porto Alegre, um conhecido lhe perguntou...
- Caio, quo vadis?
Olhar tímido, ossos e pele e vodka responderam:
- Rua Lopes Chaves, 546.
- Mas essa rua... essa rua fica em São Paulo!? Não é mesmo?

Não respondeu. Seguiu, passos lerdos, ao encontro de Mario de Andrade.
(Morreu no mesmo dia que o pai de Macunaíma, 51 anos depois)






sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Flores



Tinha desverbalizado sua relação com o mundo.
Cansou-se de verbos e, portanto, aboliu-os do seu costume. Ele que era, agora nem estava.
Por isso ele passarinho a manhã, arco-íris o fim da tarde e riacho seus pés.
Numa dessas alegrias, Guimarães o tempo, Drummond o vento, Lispector a alma. Boniteza, seu benzinho, um encanto! Casa, filhos lindos, casa, jardim, fantasia! Felicidade...
Sua vida flores. Seus sonhos, realidades. Lutas, dores, sina. Amores.

Dever cumprido! (substantivamente).