segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Texto bom demais...

Recebi este texto de uma amiga (aliás, Fabiana, mande-me a fonte pois não achei na net). Compartilho com vocês.
Trata-se de uma ótima reflexão sobre a greve dos professores em nosso estado e sobre a meritocracia da nossa educação que teima em ranquear alunos e escolas. Foi assim com o antigo "Provão" do ministro Paulo Renato e, agora com o ENEM. Segue...



Quem educa os educadores? 

João Paulo 
Publicação: 24/09/2011 04:00
Para Paulo Freire, educação é um processo político de compreensão da realidade e de transformação do mundo (Arquivo/EM - 12/6/82 )  
Para Paulo Freire, educação é um processo político de compreensão da realidade e de transformação do mundo

A educação continua ocupando espaço nos meios de comunicação, o que é muito importante. No entanto, a forma como vem sendo tratada parece carregar alguns descaminhos preocupantes. Numa análise mais rápida, é possível ler nos jornais dois tipos de enfoques. O primeiro, relativo ao movimento grevista, que acentua sempre os prejuízos dos alunos, numa cobertura nitidamente ideológica, no sentido filosófico do termo (não se trata de mentira, mas de verdade construída sobre os brancos, as fraturas do conhecimento, de modo a sustentar visão de mundo que precede o fato). O segundo enfoque ganhou destaque na semana que passou, com o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com ênfase para as escolas que alcançaram as melhores marcas.Já defendi neste espaço a legitimidade moral da greve, seu conteúdo político e pedagógico e o que ela aponta em termos de descaso não com o salário dos profissionais, mas com a educação em si. O que parece ter se somado nos últimos dias foi a postura de buscar um canal de comunicação de mão única com a sociedade, por meio de mensagens publicitárias, sem que as negociações avancem no campo propriamente político. O discurso da propaganda (o lado político da publicidade) é necessariamente lacunar e interessado. Trata-se de comunicação que elide o outro e inviabiliza o diálogo. Ao localizar no professor grevista o responsável pelas tribulações da greve, o governos corre o risco de fazer com que um instrumento legítimo se torne mecanismo de coerção. Uma sociedade sem direito de greve é politicamente uma sociedade mais pobre.

Para fazer frente a esse impasse comunicativo – sem entrar no mérito do movimento – caberia à imprensa ocupar a arena com ampliação dos canais de elocução, com a abertura ao contraditório e com o enriquecimento do debate em termos de alternativas de gestão. Além disso, à isenção e imparcialidade que definem o bom jornalismo, deve-se somar o compromisso com a construção do saber, com o arejamento do horizonte de possibilidades. Se professores de um lado e governo de outro se mostram emparedados, a imprensa tem o nobre papel de facilitar o trânsito das ideias. O direito à informação, mais que uma concessão, é uma conquista que precisa ser reafirmada a cada dia. É consenso que a educação ainda não conquistou uma cobertura jornalística à altura de sua importância.Melhor para quem?

O segundo aspecto que ocupou os jornais, e que se relaciona com a educação, foi o anúncio das “campeãs” do Enem. Escolas de todo o Brasil foram ordenadas a partir dos resultados nas provas, com a irrefletida e empolgada cobertura dos meios de comunicação, ávidos em descobrir o segredo das melhores escolas. Será que há sentido nesse tipo de ranking? Sinceramente, acredito que não. Trata-se de uma tradução da lógica do sucesso definido a partir de indicadores de bom desempenho em testes que se relacionam apenas com conteúdos programáticos tradicionais. Nada mais distante da educação do que isso. No máximo pode-se declarar que se trata de um efeito Pigmalião: os melhores alunos serão os que a escola escolhe como melhores e, em nome dessa avaliação prévia, investe todos os seus recursos pedagógicos. Escolher os melhores significa alijar os “piores”.

A situação fica ainda mais grave quando, acompanhando as reportagens com as escolas “vencedoras”, observa-se que todas elas são discriminatórias, elitistas e contra a inclusão social. Para conseguir vagas nas instituições com bons resultados, os alunos precisam ter aptidões prévias destacadas. Quem não vai bem na prova de acesso não entra. O dispositivo-Enem (sua transformação em ferramenta quantitativa), na verdade, está na base, não no resultado do processo de educação. Uma escola que rejeita alunos com notas baixas em nome da meritocracia ou qualquer ideologia espúria do gênero não deveria merecer o nome antigo de educandário. O papel da escola é exatamente educar, integrar, possibilitar o exercício da liberdade e igualdade, mesmo com alunos de diferentes níveis de saber formal.

Espanta ainda mais que, ao lado da efusão das comemorações dos colégios (muitos deles públicos e religiosos), se ostente o resultado como consagração do princípio educativo de fazer destacar uns sobre os outros. A melhor escola não é a que tem alunos com melhores notas (essa apenas seleciona melhor sua fatia de preconceito e falta de espírito público – no caso das públicas – e de amor ao próximo – quando se trata de instituições religiosas). A boa escola tem um compromisso político e moral: ela precisa ser uma escola boa. Os pais, por sua vez, deveriam valorizar filhos cheios de bondade e não consagrados com boas notas.

Se o critério não é a aprendizagem de conteúdos previamente valorizados, qual deveria ser? Trata-se de uma questão complexa e interessante, que aponta para o que se deseja da escola e do processo educacional. Em outras palavras, para o que a sociedade define como conhecimento relevante e progresso social. Ao lado do saber (suposto) dos conteúdos, há uma pletora de elementos educativos que vêm sendo soterrados pela dinâmica competitiva da educação para o desempenho. Há alguns anos, o pensamento sobre a educação era de interesse coletivo de vários campos do conhecimento. As pessoas conheciam algo de Piaget e sua preocupação com os estágios de formação dos conceitos, de modo a valorizar a infância e seu tempo peculiar; discutiam Ivan Illich e sua proposta de uma sociedade sem escolas (a educação estaria incorporada na prática da vida, sem necessidade de formalização); buscavam em Freud a impossível mestria e o conhecimento sobre a infância, na procura das possibilidades da educação como empreendimento civilizador; sonhavam com a utopia de Paulo Freire de uma escola da vida, que valorizasse os saberes, operasse a leitura crítica do mundo e fizesse da educação uma prática de liberdade. Não se fala mais em pedagogia, mas em mercado.

Hoje o que vale é o resultado, a lista de classificação, o privilégio de fazer parte de uma elite. Marx, que entendeu o capitalismo como poucos, sabia que os homens são capazes de mudar as circunstâncias e que, por isso, o educador precisava ser educado. É bom notar que a figura do educador, neste caso, não se refere ao professor, mas a quem designa os conteúdos que paralisam a sociedade num quietismo conservador e satisfeito com suas medalhas. As melhores escolas de Minas e do Brasil não têm, nesse sentido, muito do que se orgulhar. Está na hora de abrir as portas, as mentes e o coração. Elas precisam ser mais bem educadas.



sábado, 24 de setembro de 2011

Mário Quintana e um Haicai

Permitam-me compartilhar um pouquinho desse "passarinho"...


No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...





E um Haicai meu, chamado Soneto...


Soneto

As paixões e as saudades minhas
cabem num infinito
de catorze linhas




quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Uma alegria para sempre

Uma balada de 16 de agosto, ou como diria o próprio autor...



....Uma alegria para sempre

As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides... Que importa se –
depois de tudo – tenha "ela" partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma? Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto
deves à ingrata criatura...
A thing of beauty is a joy for ever

disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer.

 - - - Mario Quintana - - -


domingo, 11 de setembro de 2011

O amor e outros estranhos rumores

Murilo Rubião é um desses tantos autores mineiros injustiçados pelo preterimento literário. Tive meu primeiro contato com Rubião há uns anos, ao ler um conto fantástico de sua autoria (em duplo sentido, visto que o mesmo é o mais importante representante do Realismo Fantástico no Brasil).

Recentemente fui comprar um livro dele, por curiosidade mesmo, já que Fernando Sabino cita-o em uns de seus livros (acho até que Rubião foi o padrinho reserva do casamento  de Sabino, já que Mário de Andrade "não aceitou" o convite - não é mesmo, Precato?). Ao chegar na livraria me surpreendi com o livrinho de cento e poucas páginas em que lia-se "Murilo Rubião - Obra Completa". São, ao longo de sua vida, 33 contos, todos introduzidos com paráfrases bíblicas e, garanto (!), não adianta tentar resenhar... só posso recomendar. São contos deliciosos de se ler!

Aproveito o ensejo para indicar uma peça a ser apresentada no Sesc aí de BH. É baseada na obra de Murilo Rubião. Quem vai ?

Segue:



De 16 a 18 de setembro, o SESC Palladium será palco do espetáculo "O Amor e Outros Estranhos Rumores", dirigido por Yara de Novaes e estrelado por Débora Falabella, Maurício de Barros, Rodolfo Vaz e Priscila Jorge. Baseada na obra de Murilo Rubião e adaptada por Silvia Gomez, a peça busca expressar o quanto há de ordinário e, ao mesmo tempo, extraordinário em nossas vidas.


O Amor e Outros Estranhos Rumores
Data: 16 a 18 de setembro
Horário: Sexta e sábado, às 21 horas, e domingo, às 19 horas.
Local: Teatro Sesc Palladium
Endereço: Rua Rio de Janeiro, 1046. Centro
Preço: R$20 (inteira) e R$10 (meia-entrada)
Informações: (31) 3214-5350




terça-feira, 6 de setembro de 2011

Corsário

Versão de uma música do João Bosco com participação de Djavan...
Corta, sim, como navalha, Renato.






Corsário

João Bosco

Meu coração tropical está coberto de neve, mas
Ferve em seu cofre gelado
E à voz vibra e a mão escreve mar
Bendita lâmina grave que fere a parede e traz
As febres loucas e breves
Que mancham o silêncio e o cais

Roserais, Nova Granada de Espanha
Por você, eu, teu corsário preso
Vou partir a geleira azul da solidão
E buscar a mão do mar
Me arrastar até o mar, procurar o mar

Mesmo que eu mande em garrafas
Mensagens por todo o mar
Meu coração tropical partirá esse gelo e irá
Com as garrafas de náufragos
E as rosas partindo o ar
Nova Granada de Espanha
E as rosas partindo o ar
Iela, iela, iela, iela la la la


quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Melancolia


                                                                                                                                    Pôr do sol em Havana


Melancolia. Às 17h53min, nessa horazinha mais triste do dia, o pôr do sol é pesado como o cenário de O Grito. Desespero. Coração apertado pede um tempo para se desapertar, mas não há tempo. Há melancolia, somente. E o tempo toca pra frente esse barco que não tem remo – essa vida que nos arranca diariamente um pedaço em troca de remendos de saudade.
Aqui, ao meu lado, um sujeito estranho grita ao ouvido absurdamente distraído “É hora de voltar à realidade!” Então o rio já me apresenta novas margens, às 18h04min. Já é noite,  preciso parar. É assim que sigo em frente.
...................................................................................................................................... 01/09/2011




Me veio à cabeça, após escrever o anteposto, um trecho do Amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos. Livro que recomendo principalmente aos Belo Horizontinos (visto que teu cenário é a linda BH dos anos 30). Nesse texto Belmiro amarga sua melancolia, suas reminiscências... e chega à constatação amargurada:


"Onde pretendi encontrar a alma das épocas idas, não

 encontrei senão pobres espectros."


Segue o trecho...

"Escapou-me ontem, à noite, esta lamentação: acham-se no tempo e não no espaço, as caras paisagens. Verifiquei esse angustiante fenômeno quando, em 1924, fui à Vila pela última vez. O Borba já havia morrido, a fazenda passara a outras mãos e as velhas já aqui estavam com sua extravagante bagagem. [...]

Em vão busquei nas linhas, cores e aromas de cada objeto ou de cada perspectiva, que se apresentavam aos meus olhos, as linhas, cores e aromas de outros dias, já longínquos e mortos.

Inútil tentativa de viajar o passado, penetrar no mundo que há morreu e que, ai de nós, se nos tornou interdito, desde que deixou de existir, como presente, e se arremessou para trás. Vila Caraíbas, a montanha, o rio, o buritizal, a fazenda, a gameleira solitária no monte – que viviam em mim, iluminados por um sol festivo de 1910, ou apenas esboçados por um luar inesquecível que caiu sobre as coisas, naquela noite de 1907 – ali já não estavam. Onde pretendi encontrar a alma das épocas idas, não encontrei senão pobres espectros. [...]

Não voltarei a Vila Caraíbas. As coisas não estão no espaço, leitor; as coisas estão é no tempo. Há nelas ilusória permanência de forma, que esconde uma desagregação constante, ainda que infinitesimal. Mas não me refiro à perda da matéria, no domínio físico, e quero apenas dizer-lhe que, assim como a matéria se esvai, algo se desprende da coisa, a cada instante: é o espírito cotidiano, que lhe configura a imagem no tempo, pois lhe foge, cada dia, para dar lugar a um novo espírito que dela emerge. Esse espírito sutil representa a coisa, no momento preciso em que com ela nos comunicamos. Em vão o procuramos depois: só veremos outro, que nos é estranho.

Na verdade, as coisas estão é no tempo, e o tempo está é dentro de nós. A essência das coisas, em certa manhã de abril, no ano de 1910, ou em determinada noite primaveril, doce, inesquecível noite, fugiu nas asas do tempo e só deveremos buscá-la na duração do nosso espírito.”