quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A fome (2)

Meu Deus... essa foto geme!

Sebastião Salgado



A cara da fome é o que há de mais violento! Assusta, tira meu sono. Me faz covarde e cruel na glutonia diária. Me faz infeliz degustador de sabores excludentes.
A fome, meus caros, míngua músculos e almas. É a tragédia humana em seu clímax. A fome é a vergonha compartilhada.
Quem nunca passou fome que se dane. Que eu me dane. Que esse mundo horrível se dane em nome de um outro mundo possível. Onde um prato de comida nunca seja fim!

A fome é a violência. Crua, sangrando. O homem com fome, animal instintivo, tem o direito à violência plena como vocalização de sua indignação (indigna ação). O homem com fome fala com os punhos, berra pelos dentes e grita pela foice!

O homem com fome nem homem é. Não há moral nessa condição desmoralizante. Ética... que se dane a ética nesse mundo aético! A fome manda ao inferno as religiões. A fome só quer deixar de ser fome. Nada mais.

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Cito abaixo o grande Josué de Castro. O único homem no mundo que morreu de saudades... Iluminado, e triste com a nossa fome geográfica (recomendo a todo brasileiro ler Geografia da Fome, antes de se dizer brasileiro).

"Mas não é agindo apenas sobre o corpo dos indivíduos, degradando-lhes o tamanho, mirrando-lhes as carnes, roendo-lhes as vísceras e abrindo-lhes chagas e buracos na pele, que a fome aniquila o homem. É também atuando sobre seu espírito, sobre sua estrutura mental, sobre sua conduta social.
No estudo da influência da fome sobre o comportamento humano devemos considerar, em separado, a eventualidade da fome aguda das épocas de calamidades e a da fome crônica, latente ou específica.
Nenhuma calamidade é capaz de desagregar, tão profundamente e num sentido tão nocivo, a personalidade humana como a fome, quando atinge os limites da verdadeira inanição. Fustigado pela necessidade imperiosa de comer,o homem esfomeado pode exibir a mais desconcertante conduta mental. Seu comportamento transforma-se como o de qualquer outro animal submetido aos efeitos torturantes da fome(...)."


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2 comentários:

  1. Meu caro Jere...

    O poeta (um pouco mais) maior - já que Bandeira era alguns centímtros maior que Drumond - logo após a segunda guerra, da janela "lateral", já observava a transformação do homem em bicho.

    O bicho

    Vi ontem um bicho
    Na imundície do pátio
    Catando comida entre os detritos.

    Quando achava alguma coisa,
    Não examinava nem cheirava:
    Engolia com voracidade.

    O bicho não era um cão,
    Não era um gato,
    Não era um rato.
    O bicho, meu Deus, era um homem.


    Precata

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  2. Belo texto meu camarada.

    "O homem com fome, animal instintivo, tem o direito à violência plena como vocalização de sua indignação"

    As pessoas simplesmente não entendem isso.

    Grande abraço.

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