Melancolia. Às 17h53min, nessa horazinha mais triste do dia, o pôr do sol é pesado como o cenário de O Grito. Desespero. Coração apertado pede um tempo para se desapertar, mas não há tempo. Há melancolia, somente. E o tempo toca pra frente esse barco que não tem remo – essa vida que nos arranca diariamente um pedaço em troca de remendos de saudade.
Aqui, ao meu lado, um sujeito estranho grita ao ouvido absurdamente distraído “É hora de voltar à realidade!” Então o rio já me apresenta novas margens, às 18h04min. Já é noite, preciso parar. É assim que sigo em frente.
...................................................................................................................................... 01/09/2011
Me veio à cabeça, após escrever o anteposto, um trecho do Amanuense Belmiro, de Cyro dos Anjos. Livro que recomendo principalmente aos Belo Horizontinos (visto que teu cenário é a linda BH dos anos 30). Nesse texto Belmiro amarga sua melancolia, suas reminiscências... e chega à constatação amargurada:
"Onde pretendi encontrar a alma das épocas idas, não
encontrei senão pobres espectros."
Segue o trecho...
"Escapou-me ontem, à noite, esta lamentação: acham-se no tempo e não no espaço, as caras paisagens. Verifiquei esse angustiante fenômeno quando, em 1924, fui à Vila pela última vez. O Borba já havia morrido, a fazenda passara a outras mãos e as velhas já aqui estavam com sua extravagante bagagem. [...]
Em vão busquei nas linhas, cores e aromas de cada objeto ou de cada perspectiva, que se apresentavam aos meus olhos, as linhas, cores e aromas de outros dias, já longínquos e mortos.
Inútil tentativa de viajar o passado, penetrar no mundo que há morreu e que, ai de nós, se nos tornou interdito, desde que deixou de existir, como presente, e se arremessou para trás. Vila Caraíbas, a montanha, o rio, o buritizal, a fazenda, a gameleira solitária no monte – que viviam em mim, iluminados por um sol festivo de 1910, ou apenas esboçados por um luar inesquecível que caiu sobre as coisas, naquela noite de 1907 – ali já não estavam. Onde pretendi encontrar a alma das épocas idas, não encontrei senão pobres espectros. [...]
Não voltarei a Vila Caraíbas. As coisas não estão no espaço, leitor; as coisas estão é no tempo. Há nelas ilusória permanência de forma, que esconde uma desagregação constante, ainda que infinitesimal. Mas não me refiro à perda da matéria, no domínio físico, e quero apenas dizer-lhe que, assim como a matéria se esvai, algo se desprende da coisa, a cada instante: é o espírito cotidiano, que lhe configura a imagem no tempo, pois lhe foge, cada dia, para dar lugar a um novo espírito que dela emerge. Esse espírito sutil representa a coisa, no momento preciso em que com ela nos comunicamos. Em vão o procuramos depois: só veremos outro, que nos é estranho.
Na verdade, as coisas estão é no tempo, e o tempo está é dentro de nós. A essência das coisas, em certa manhã de abril, no ano de 1910, ou em determinada noite primaveril, doce, inesquecível noite, fugiu nas asas do tempo e só deveremos buscá-la na duração do nosso espírito.”
Em vão busquei nas linhas, cores e aromas de cada objeto ou de cada perspectiva, que se apresentavam aos meus olhos, as linhas, cores e aromas de outros dias, já longínquos e mortos.
Inútil tentativa de viajar o passado, penetrar no mundo que há morreu e que, ai de nós, se nos tornou interdito, desde que deixou de existir, como presente, e se arremessou para trás. Vila Caraíbas, a montanha, o rio, o buritizal, a fazenda, a gameleira solitária no monte – que viviam em mim, iluminados por um sol festivo de 1910, ou apenas esboçados por um luar inesquecível que caiu sobre as coisas, naquela noite de 1907 – ali já não estavam. Onde pretendi encontrar a alma das épocas idas, não encontrei senão pobres espectros. [...]
Não voltarei a Vila Caraíbas. As coisas não estão no espaço, leitor; as coisas estão é no tempo. Há nelas ilusória permanência de forma, que esconde uma desagregação constante, ainda que infinitesimal. Mas não me refiro à perda da matéria, no domínio físico, e quero apenas dizer-lhe que, assim como a matéria se esvai, algo se desprende da coisa, a cada instante: é o espírito cotidiano, que lhe configura a imagem no tempo, pois lhe foge, cada dia, para dar lugar a um novo espírito que dela emerge. Esse espírito sutil representa a coisa, no momento preciso em que com ela nos comunicamos. Em vão o procuramos depois: só veremos outro, que nos é estranho.
Na verdade, as coisas estão é no tempo, e o tempo está é dentro de nós. A essência das coisas, em certa manhã de abril, no ano de 1910, ou em determinada noite primaveril, doce, inesquecível noite, fugiu nas asas do tempo e só deveremos buscá-la na duração do nosso espírito.”
Bicho,
ResponderExcluirCorsário!...
Já tinha escutaddo também.
A bosta maior é um pouco de tristeza junto com ponta de inveja desses viados que tiram de algum lugar quântico essa poesia desgraçada e que "dependendo do dia" corta igual navalha!
CORSÁRIO me lembrou PROCELA - Chuva forte que vêm do mar - e me resgatou o feioso do Zé Ramalho:
" A bravura dos grandes navegantes
Enfrentando a procela em seu furor
Se não fosse a mulher mimosa flor
A história seria mentirosa"
.
.
Velho... outra bosta são meus poucos momentos de poesia atualmente. Sem tempo pra porra nenhuma e podendo contar com quase ninguém pra relembrar ou conhecer algo de novo - ou de velho.
Bom ter um amigo transviado às vezes!
Valeu Jerê!
Um bejo Procê