domingo, 13 de julho de 2014

Ivan Junqueira

Somos muito breves... O tempo que nos foi dado (será, assim, o tempo, algo a ser dado ou recebido?, como fruto de uma benevolência divina?) é muito pouco!
Recentemente fui "apresentado" a Nélida Piñón e pensei comigo e meus demônios, "que chato conhecê-la tão tarde, Sra. Piñon!". Como se o tempo, curto, fugidio, fosse na verdade um mero lampejo e, pós-moderdos (será?) que somos, há muito acúmulo prévio (epistemologia?) a ser parcamente desfrutado por nós, pobres e malditos mortais.
Acho que é isso! O tempo nos é pouco pois somos mortais. Se a vida fosse medida em séculos e não em anos, ou seja, se vivêssemos naturalmente até os 6 mil anos de idade, ainda assim essa vida seria curta, dado a insignificância desse período milenar frente à eternidade. Sempre será pouco... somos mortais!
Mas, claro!... o fato que me fez elucubrar... voltando ao fato que me fez voltar à tristeza (metafísica tristeza) dos confusos humanos... O fato foi que nem bem eu fora apresentado à Nélida, me cai à mão Ivan Junqueira.
Meu Deus! Somos muito breves! Como demorei tanto tempo, Sr. Junqueira, para conhecer-lhe?

Compartilho com os amigos, esse mestre das rimas toantes, também chamadas, pelos incautos, rimas imperfeitas...

Seguem dois poemas escritos por Ivan no fim da vida - como se houvesse "fim da vida" para um imortal como ele.

(...)
O adeus não é um até breve
ou algo fátuo que se escreve
numa folha deitada ao vento,
avessa à mágoa e ao sofrimento,
lágrimas de olhos que não choram,
mãos que acenam e vão-se embora.

Não é fácil dizer adeus
nem ao demônio nem a Deus,
tampouco ao cão que te servia,
na selva escura, como guia.

Não é fácil dizê-lo à vida
o mais obstinado suicida,
e até mesmo o mártir, ao ir-se,
da carne reluta em despir-se.

Dizer adeus é o mais difícil,
o mais antigo e árduo suplício.
Terá Cristo o dito na cruz
ao despedir-se de Jesus?



DESPEDIDA


Estamos indo embora. Sobre o piso de ardósia,
por entre caules e corolas que exalam um perfume exótico,
os gatos deslizam. São espíritos leves e sóbrios,
com suas patas de veludo, silenciosas,
que arranham a lombada dos livros e o verniz dos móveis.
Os tapetes abafam seus passos ociosos,
como se faz quando se acolhem os órfãos.
Doze anos se passaram, e estamos indo embora.
A brisa do mar, com seus úmidos braços, nos envolve
e empurra para um outro promontório,
uma outra dimensão de nossa breve história,
de que somos, se tanto, transitórios hóspedes,
peças de um tabuleiro onde o tempo as desloca,
alheio à inútil engrenagem dos relógios,
cujas horas se dissolvem numa névoa incorpórea.
Tanto aqui se escreveu em verso e prosa:
romances, elegias, baladas, novelas e toda uma prole
de rascunhos que iam da perífrase ao apólogo.
Tanto aqui se ouviram o lamento de um fagote,
uma ária de ópera, a lenta pulsação de um órgão,
a inquieta truta de um quinteto de cordas,
essa insistente música que ecoa na memória
e que não pode (nem quer) ir-se embora.
Como estancar as vozes e os acordes
do Réquiem em que Mozart brindou à própria morte?
Como esquecer, Palestrina, teu Kyrie, teu Sanctus, teu Gloria?
Como calar esse jorro de notas, essa clave de sol
na partitura de uma noite em que faz frio e chove?
Estamos indo embora. Passem o trinco nas portas
e tranquem as janelas pelas quais rompia a aurora.
Apaguem-se a lua e as estrelas, o monólogo
do sabiá na varanda, as nervosas
mãos do vento a sacudir os vitrais da abóbada.
Levem tudo: quadros, taças, santos barrocos, oratórios,
todo esse insólito e cediço espólio.
Bebeu-se aqui o álcool da vida até o último gole.
Não se esqueçam da arca que ficou no sótão.
Desliguem a luz (e o gás, senão tudo explode).
Que fique o resto como esmola. Paguem um óbolo
ao barqueiro que nos leva rio afora.
Estamos indo embora.





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