segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Texto publicado em um Jornal do Sul de Minas, enviado a mim pelo próprio autor, o grande amigo Emílio.


A tomada do “Complexo do Alemão” e a
retomada de um complexo brasileiro

Emílio de Oliveira e Silva*

            A recente tomada do “Complexo do Alemão” na cidade do Rio de Janeiro vem sendo comemorada como uma data histórica na qual forças policiais e militares brasileiras subjugaram dezenas de traficantes, apreendendo expressiva quantidade de armas e drogas.
De fato, a mobilização estatal para combater os ataques de uma facção criminosa foi aplaudida pela sociedade fluminense que, acuada pelo medo, anseava pelo fim da violência. Restou à imprensa realizar ampla cobertura da ação policial, acompanhando por terra e ar a invasão de um território que era dominado há décadas por traficantes de drogas, no que poderia ser a continuidade do filme de José Padilha: “Tropa de Elite III”.
Algumas reflexões podem ser feitas a partir desses fatos.
A primeira observação traduz-se em uma correção daquilo que vem sendo chamado de “Retomada do Complexo do Alemão”. Do ponto de vista semântico, retomada é o ato de tomar novamente; reaver; recuperar o que já foi dominado. Nesse sentido, o referido morro carioca jamais esteve sob a autoridade do Estado que não se fez presente em momento algum, deixando de oferecer saúde, educação, lazer, moradia e segurança à população daquele lugar. Provou-se que nem a polícia, braço armado do poder público, entrava ali. Portanto, é ilógico falar em “retomada” daquilo que nunca esteve sob domínio.
Outra questão é o receio de que a enérgica atuação das forças militares e policiais neste momento transmita a ideia de tranquilidade e segurança, propiciando um natural desleixo estatal em um estágio posterior à ocupação do “Complexo do Alemão”. Caso isso ocorra, a inércia do Estado ensejará a troca dos algozes de aproximadamente quatrocentos mil habitantes da periferia, pois a dominação dos traficantes será substituída pelo controle corrupto da “milícia” carioca.
Por fim, constata-se que a grande mídia vem desviando o foco do grave problema vivenciado no Rio de Janeiro que também se extende por todo Brasil. Até o momento, a única preocupação que tem repercutido nos meios de comunicação é o incremento da repressão criminal e a supressão de garantias constitucionais, como se isso fosse suficiente para a resolução dos males causados pelo tráfico de drogas. Esse diagnóstico, na melhor das hipóteses, é ingênuo e camufla um discurso populista desinteressado com políticas públicas eficazes que possam transformar a realidade social, condição imprescindível para oferecer dignidade às pessoas menos favorecidas economicamente.
Nesse contexto, a insensatez foi estampada nas manchetes de jornais que mais destacaram o aparato bélico utilizado na operação policial do que a situação de miséria e penúria vivida por milhares de famílias, as quais, não raras vezes, foram vítimas das arbitrariedades cometidas pelas forças de segurança durante a ocupação do morro carioca.
 Lamentavelmente, perde-se uma grande oportunidade para se travar um debate sério, aberto e democrático sobre as causas reais da violência. Assim, mais uma vez a atuação do poder público torna-se paliativa, postergando a resolução dos problemas que, certamente, retornarão ou serão deslocados para lugares distintos.
A tomada do “Complexo do Alemão” denunciou a incapacidade do Estado de propor medidas adequadas, previamente debatidas com segmentos da sociedade civil, que visem resolver os problemas nacionais na sua raiz. Isso, aliás, retoma um complexo antigo dos governantes brasileiros: oferecer mais do mesmo para que tudo continue como está!


* Delegado de Polícia Civil de Minas Gerais. E-mail para contato: emiliooliveira@hotmail.com

Um comentário:

  1. Grande Emilio... a cada dia que passa percebemos (nem todos) o apelo midiático que algumas ações têm recebido. Pra falar a verdade, não sei o que vem primeiro, o fato ou a notícia. No caso do morro do Alemão me parece que poder público, o grande capital e a mídia têm-se, perigosamente, planejado o que pretendem culminar com um show de organização na Copa e nas Olimpíadas. Acho que muita coisa ta pra acontecer nesse aspecto. Uma coisa meio Aeciana acontecendo no Brasil enquanto federação. Esses grandes eventos que estão por chegar em breve justificarão uma espécie de CODEMIG nacional que enquanto grupo de fomento já iniciou com uma cartada superficial. Tenhamos medo!

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